3 dicas para organizar mentes criativas, porém cansadas 🦩
Está nevando aqui em Estocolmo. E eu sinto falta do sol escaldante do Brasil.
Da cervejinha gelada no casco, a mesa amarela de plástico da skol, a solução dos problemas do mundo ali, pairando entre nós todos sobre a mesa.
Opa, camarada, desce mais uma trincando aí!
Aviso 1: Não tenho educação ou profissionalização em nenhuma área competente para lidar com distúrbios de atenção ou da mente. Esse texto é só um pequeno ensaio sobre como eu encaro problemas coletivos da atualidade na esfera individual.
Aviso 2: às vezes a newsletter aterrissa na sua caixa de entrada com errinhos de digitação e gramática. É a vida.
O acúmulo
Se eu abrir a galeria de fotos do meu celular em um mês atribulado, talvez eu tenha um acervo de pelo menos 1000 imagens salvas. Entre pratos de comida e fotos de gato também ficam salvas as mídias que outras pessoas enviam em aplicativos de conversa (como Whatsapp e Telegram). Ainda que eu tenha limitado esses apps para baixar apenas as imagens que eu clico para ver, eu acabo clicando em praticamente todas.
O conteúdo compartilhado pelos meus amigos e colegas de grupos de discussão me interessa. Sempre. Sem contar os eventuais screenshots que faço no dia a dia, uma forma rápida de guardar alguma informação que vi por aí.
Mas quantas dessas imagens eu realmente procuro na galeria para olhar depois? Quantas dessas fotos que tiro são relevantes o suficiente para guardar até o próximo mês? Muito, muito poucas.
Adicione nessa conta o fato de que eu gosto de colecionar referências. E com o passar do tempo, tudo vira referência para uma mente criativa.
Outra coisa que cresce exponencialmente sob meu olhar é o número de perfis que passei a seguir em redes sociais. Eu me interesso por muitas coisas, e as pessoas estão procurando produzir mais e mais conteúdo. Disputando mais e mais minha atenção.
Eu quero ver tudo e todos, consumir tudo o que me é oferecido. É como se fosse um êxtase de prazer mesmo. Mas depois do clímax vem sempre uma ressaca moral. O absurdo de informação consumida me causa uma agonia pós-gozo.
Não há espaço ou capacidade mental para processar tudo isso de forma sustentável. Me sinto perturbada o tempo todo, como se a mente estivesse sempre exausta.
Ansiedade digital
A coisa mais difícil foi reconhecer que eu, sozinha, não consigo competir com instagram, twitter, pinterest, etc. Essas empresas tem grana para bancar os melhores profissionais do mundo para descobrir o que mais atrai e retém minha atenção. Quem sou eu para brigar contra os melhores especialistas de experiência do usuário do mundo? Me culpar por isso é uma agressão contra mim mesma.
De qualquer maneira, um cérebro continuamente treinado para coletar coisas vai juntar um acervo grande; possivelmente um gerador de ansiedade. Para mim, essa ansiedade cresce em dois momentos distintos:
a) Quando contemplo a capacidade de armazenamento dos meus dispositivos. Exemplo: vou tirar uma foto com o celular e descubro que a galeria de imagens está cheia, então vou ter que parar e deletar coisas se quiser tirar uma nova foto.
b) Quando percebo o tempo que gastei olhando coisas inúteis numa tela. Exemplo: tenho um texto para terminar de escrever, mas sei que preciso descansar um pouco para continuar. Aí sento para ler um livro, procuro o significado de uma palavra no celular, aparece uma notificação, eu clico e quando vejo já se passaram 3 horas e eu não li o livro.
São momentos que me geram muita ansiedade. O primeiro, porque requer olhar para o meu acúmulo, e olhar para ele é contemplar minha desordem mental. O segundo, porque é sentir que desperdicei um pouco da minha vida com um estímulo mental inútil e excessivo.
3 dicas para reagir ao cansaço e ao excesso de estímulos
Eu diria que, acima de tudo, eu procuro ser sempre gentil comigo mesma. Tento acolher minhas próprias frustrações entendendo que não sou melhor ou pior por senti-las. Talvez todas as agonias que sofro são também sentidas por outras pessoas além de mim. Estamos todos aqui sujeitos aos nossos desejos e frustrações, não importa quem a gente seja. Essa consciência me faz sentir mais humana.
Levando em conta esse auto-acolhimento, tenho três pequenas atitudes que encontrei no pico do meu sofrimento para me ajudar a ser mais gentil comigo mesma. São elas:
1) Separar o joio do trigo
Uma vez por semana, eu tiro meia hora para dar uma organizada geral nos meus arquivos. Do celular, do computador ou da “nuvem”. Ajuda a manter as coisas minimamente sustentáveis. Tento aplicar o método da Marie Kondo para deletar arquivos (“isso me traz alegria?”), e assim vou acompanhando o quanto de gigabytes tenho disponível nos dispositivos. Gosto de olhar com atenção para meus softwares e aplicativos: se eu não uso algo há mais de seis meses, eu avalio se não vale a pena deletar (e se eu precisar de novo, faço novo download no futuro).
2) Contemplar o nada
Eu tinha mania de pegar o celular assim que acordava, na cama mesmo, e ficava rolando o olhar por coisas aleatórias. Às vezes só levantava vencida pela vontade de fazer xixi, pelo compromisso de dar ração aos gatos ou reunião de trabalho.
Certo dia, passei a esperar uns minutos antes de pegar o celular. Usava esse momento só para ficar sentada na cama, no escuro, meio que olhando pro nada. Se eu sabia que eu ia ficar 1 hora inteira olhando o celular, cinco ou dez minutos contemplando o nada não fariam diferença nenhuma.
Eu ainda faço isso todos os dias, mas não só quando acordo. Faço esse exercício de ficar em silêncio com o olhar perdido, em qualquer lugar a qualquer hora. Comecei a expandir o hábito assim: toda vez que eu pegava o celular com um movimento automático, eu me perguntava porque estava fazendo aquilo. Na maioria das vezes, era só um movimento automático mesmo, quase um cacoete.
Nem sempre eu resisto a vontade de olhar a tela (lembre que ainda estamos "competindo" com a engenhosidade de empresas bilionárias), mas tomei gosto por esses momentos de “ausência de conteúdo”; a falta de foco agindo como um espaço vazio e não a mudança rápida da atenção entre uma coisa e outra. O incrível ato de simplesmente respirar e ficar ali, existindo, sem qualquer estímulo mental. É uma delícia. E não, não é uma meditação como a gente entende meditação.
Faz uns anos que comecei a meditar diariamente. Às vezes os amigos me pedem dicas sobre como começar, etc, e eu sempre digo que meditação não é solução para nada e tampouco é uma prática que funciona para qualquer pessoa. Mas eu acredito que o hábito da contemplação é um bálsamo para qualquer um. Principalmente para quem está com a mente cansada (ou seja, todo mundo). Parece idiota fazer isso, mas perceba que nem todos os momentos ociosos precisam estar preenchidos com alguma coisa, ainda mais se essa coisa for a tela dos celular.
3) Cultivar a comunidade
Tenho para mim que, às vezes, se distrair com redes sociais é um vício em se distrair da vida. Pode ser também um jeito de lidar com esse cansaço de estar sempre resolvendo tudo sem apoio de ninguém.
Há um tempo atrás, eu estava com algumas dificuldades e falei com uma amiga, para ouvir uma segunda opinião. Eu queria resolver as coisas com minhas próprias mãos, na base da força. Mas nunca conseguia o que eu queria. E com o tempo o esforço me exauria, eu ficava apática. Eu estava tão exausta de tudo que até pensar me cansava.
Foi quando minha amiga disse mais ou menos isso aqui:
O mundo nos faz acreditar que tudo que acontece com a gente é nossa culpa. Nos sentimos culpadas por nossas decisões, por nosso cansaço; acreditamos que há solução para todos os males, é só a gente se esforçar um pouco mais. Porque o capitalismo quer que a gente resolva tudo sempre sozinha.
A coisa mais anticapitalista que você fez hoje foi me ligar e pedir ajuda. Você está exercendo o seu direito de pertencer a um grupo. Nós somos sociedade, comunidade, estamos aqui uns para os outros. Eu posso ajudar você hoje, assim como você pode ajudar outra pessoa amanhã quando você estiver bem. Aliás, todo mundo precisa que você esteja bem. Mas você está tão focada em resolver tudo sozinha que nem sabe que você simplesmente não precisa resolver tudo sozinha. Não quer dizer que você não consegue, mas que receber apoio te poupa uma energia que pode ser usada em outras coisas.
Então eu lembrei. Que todas as vezes em que eu estive no fundo do poço, eu nunca saí de lá sem ajuda.
Uma das coisas mais anticapitalistas e mais gentis que posso fazer é simplesmente entender e aceitar que não preciso resolver tudo sozinha.
Pedir ajuda é cultivar comunidade. Ajudar os outros é cultivar comunidade.
E num mundo que nos faz acreditar que somos responsáveis por tudo, é muito difícil lembrar disso.
Você já exerceu seu direito de pertencer a uma comunidade hoje?
Jabás & recomendações
“Mas o que venho pensando cada vez mais é que tudo surge daí: das relações. Eu e você; eu, você e nosses amigues; eu, você, nosses amigues e sus amigues. De amigue em amigue, conhecide a conhecide, parente a parente. Isso vai formando as nossas comunidades, a nossa sociedade. Tenho me perguntado muito: No fim das contas, não é isso o comunismo? Um monte de gente com os mesmos direitos garantidos se relacionando sem hierarquias? Exige esforço, dá trabalho. Mas, se é isso - e eu não sei se é, mas se for, qual é a diferença entre falar de comunismo e falar das nossas relações?”
Esse trecho vem de um texto muito gostoso de ler, da newsletter de uma moça que nem conheço, mas considero pacas, a Clara Browne.
Para quem é de podcast, saiu o primeiro episódio da nova temporada do Incêndio na Escrivaninha, projeto da comunidade formada por mim, Ana Rüsche, Thiago A. Lage e nossos ouvintes 🎧.
Essa temporada tem como tema “coleções e acervos”. O primeiro episódio é sobre Atlas (mapas, cartografias reais e imaginárias). 🗺
“O pão, pagamento ao artista, metáfora para alimento ou dinheiro, passa a ser também o alimento da alma. E atrás do pão, seja concreto ou metafórico, o artista não mede esforços. Nada era longe, tudo é tão bom.”
E esse último trechinho de encerramento é da newsletter Mercúrio em Peixes (crime ambiental ou só astrologia?) do meu colega de podcast, Thiago.
E… por hoje é só!
Beijos, abraços e toda forma de afeto.
Vanessa Guedes.
Sent from my tamagotchi