Sumo. Escorrego para fora do calendário, do padrão e das fotos. Quase nunca sou aquela que espera, quase sempre sou aquela que se vai. Como o suco doce desaparece da fruta espremida, eu sumo dos espaços onde deveria estar. Foi assim semana passada, sumi na entrelinha de um romance, e agora desejo pedir desculpas por ter sumido, ainda que eu não seja de pedir desculpas, mas às vezes peço com licença.
Com licença, vou sumir mais um pouquinho, ali na esquina do horizonte.
A maioria de nós pensa na ausência da perspectiva de quem aguarda algo ou alguém, de quem sente um vazio imenso e joga-se na tristeza larga da espera. Nós estamos sempre esperando algo que o universo nos deve. Queremos acertar as contas com a agonia da imensidão desse nada, dessa miséria que chamamos de esperança, como quem quer acertar as contas com o diabo. A ausência é a deusa que personifica o nosso maior medo - de sermos esquecidos. Por isso é comum os artistas chorarem as pitangas na ausência de um público; o silêncio parece a sombra da nossa mediocridade.
A ausência também é o negativo das nossas escolhas, a parte oposta, o paralelo do que a vida poderia ter sido e simplesmente não foi.
Existem ausências e ausências. De quem vai e de quem fica, por exemplo. A ausência de quem fica é uma coisinha inoportuna, uma lembrança amarga de uma peça que desencaixou desse castelo tão lindo que a vida construiu. A ausência de quem vai é todo o resto do castelo. A vida que se conhece sumiu. Inteira.
Há um tecido grosso em volta da ausência. Não é feito para ser perfurado, desmanchado ou comido cru, mas para proteger um grande estado de despovoamento; o vazio. Insistimos que o vazio é um buraco que nos causa azia, mas o vazio também é espaço para criar um mundo novo. Para receber e digerir novas ideias.
Procurei por poemas sobre ausência e todos eles falam dos olhos e do corpo da musa amada, da pessoa que desejamos e está longe. Sobre os anseios do encontro dos amantes. A glamurização da espera, do sofrimento. Talvez seja um problema geracional ou tecnológico, mas a ausência física de um namorado me faz preencher o vazio do corpo com a voz, com a palavra, com a criatividade. A ausência é condição, mas não é limite.
Não sejamos limitados.
Anteontem eu brotei do nada numa rede social detestável, apaguei posts recém postados, como o gostinho amargo de uma fruta mordida antes da hora. Meu medo não tem nome nem endereço, há uma sensação ridícula de vigilância, por isso a ausência apresenta-se como uma alternativa sedutora. Ausentar-se pode até ser renúncia, mas muitas vezes também é proteção.
Tentei esconder que estava de férias, que estava em outra, que marcar presença não me importava tanto assim. Depois desisti e fiz o contrário, reapareci com fotos e vídeos. Menos opinião e mais imagem. Há dias em que remanejo a ausência com cores.
Recadinhos
Além de ter deliberadamente sumido semana passada, nesta semana eu mando o texto na sexta ao invés da quinta-feira... Sinal que andei cansada. Agora estou viajando de férias e sinto que preciso de mais uns dias de pausa. Talvez seja ressaca por ter dedicado um tempo à ficção - escrever histórias, para mim, dá um cansaço enorme, sinto como se tivesse gerado e parido um universo inteiro, como Zeus pariu Atena, pela cabeça - e preciso de uns dias só observando o mundo.
Como a querida Fabiane Guimarães lembrou ontem aqui, escrever começa no pensamento. Eu estou fecunda de ideias novas para a newsletter no próximo semestre, mas preciso reunir fôlego para subir essa montanha.
Portanto, volto em julho.
Há mais de 100 textos únicos por aqui. Se sentirem minha ausência, é só escolher um texto que estarei pertinho de novo. ❤️
Conto com a compreensão de quem me lê.
Beijos, abraços e toda forma de afeto.
Vanessa Guedes.
Gosto muito da ausência. Tem um poema do Drummond que fala dela, sem usar a figura de uma musa:
"AUSÊNCIA
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim." Carlos Drummond de Andrade
Aproveite as férias! E viva a ficção em semente florindo.