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O planejamento não deveria ser uma coisa fixa. Talvez por isso a maioria das pessoas se sinta frustrada quando percebe, ao longo do tempo, que as coisas planejadas não aconteceram ou foram negligenciadas no decorrer dos dias. Porque as circunstâncias mudam, o clima influencia, o mundo se transforma e até nossas necessidades viram outras. Quantos de nós tentam dormir mais cedo, acordar mais cedo ou comer de modo mais saudável e falham miseravelmente? Pode ser que se consiga por alguns dias, mas muita gente não consegue seguir o plano a longo prazo. Existe um conflito entre o nosso eu passado, que fez o planejamento, e o nosso eu presente, que está vivendo o mundo no aqui e agora. Essa dicotomia de desejos e necessidades entre passado e presente gera uma frustração contínua e nos desestimula a tentar organizar a vida novamente.
O planejamento é um processo. Em um vídeo no youtube, o famoso coach (é, eu sei, vamos ter que falar um pouco sobre um coach, desculpa!) Simon Sinek comenta sobre a diferença entre o planejamento militar e o planejamento de empresas. Ele aponta que empresas fazem planejamento em duas situações: o conhecido planejamento anual e o planejamento de contenção de crise, que rola quando algo inesperado acontece e precisa-se tomar uma atitude. No mundo militar, ele comenta, são realizados milhares de planejamentos diferentes e geralmente executa-se apenas alguns. Mas o fato de terem pensado nas mais variadas adversidades e catástrofes faz com que tenham, ali na manga, uma ideia melhor do que fazer em situações de mudança. Sinek explica uma coisa que eu percebi ao longo de quase vinte anos estudando e testando inúmeras técnicas de organização pessoal; que o planejamento raramente é um único. O planejamento deve ser vários.
Há duas semanas fiz uma videochamada com os apoiadores da newsletter com a intenção de mostrar como eu faço meu planejamento criativo do ano. A minha maior preocupação nessa apresentação foi deixar claro que o planejamento é muito mais sobre uma análise — diria até que é um exercício de autoconhecimento — do que uma projeção do futuro. Nessa conversa, eu apresentei o conceito do “calendário elástico”, uma coisa que eu criei para mim mesma e tem funcionado bem. Mas essa ideia não é só minha, inúmeras pessoas tiveram epifanias parecidas e elaboraram estratégias das mais diversas para exemplificar isso. Uma das mais famosas é o tal de “calendar blocking” das estadunidenses. O método tem variações, mas o princípio é o mesmo: criar blocos de evento ou tarefa vazios no seu calendário, para impedir que você acumule atividades e tarefas em todos os horários vazios. O objetivo é ter tempo para momentos que você vai precisar no futuro: porque a vida nunca é do jeito que a gente imagina. Imprevistos acontecem, tanto com a gente quanto com os outros, com o mundo. É uma coisa que eu tenho percebido até nos espaços físicos do apartamento, por exemplo. Eu estava arrumando as estantes de livros por aqui e percebi que estão lotadas. Fica visualmente muito bonito aquele monte de livros de um canto a outro das prateleiras, principalmente porque só guardo os livros de que gosto muito ou que preciso consultar constantemente para escrever aqui na newsletter e nos artigos da universidade. Mas essa visão tem um sabor amargo também. Porque eu sei que quanto mais eu viver, mais livros eu vou precisar e vou querer. Hoje, a visão de uma estante de livros até a metade me dá mais prazer do que uma lotada. Porque o espaço vazio é a promessa de que há lugar para mudança, para novidade e até para deixar o lugar vazio intacto, circulando ar.
Quando eu sentei para planejar 2024, elaborei o conceito do calendário elástico. Um planejamento aberto a mudanças, com o intuito de ser revisitado e modificado constantemente. E também de dar espaço para que eu possa receber novidades da vida. Mas o planejamento não começa com um plano e um calendário. Ele começa com uma reflexão longa sobre as coisas que eu quero ser/fazer/ter, as coisas que eu estou tolerando, minha saúde mental/física e a situação financeira. Me ajuda muito olhar para o presente e o passado recente para saber quais são as pedras no sapato. Eu sei que consigo caminhar por muito tempo com uma pedra no meu sapato, mas é tão melhor caminhar sem a maldita pedra. A experiência é tão mais agradável, sabe.
Gosto de ver o planejamento pessoal como uma caminhada. Quando eu fiz o Caminho de Santiago em 2022, eu tive muitos problemas com bolhas e calos. Mas ao treinar para fazer o caminho nos dois meses de planejamento que eu tive entre a ideia de fazê-lo e a execução, eu descobri que começava a ter bolhas nos pés depois de caminhar mais ou menos 10km. Sabendo que eu deveria caminhar pelo menos 20km por dia durante o caminho, eu sabia que em algum momento teria que andar com bolhas. Era um fato. Então, me dispus a entender como a dor das bolhas funcionava e fui criando uma série de saídas para lidar com isso. Porque eu queria fazer o maldito caminho! E eu fui. Essa não é uma história de superação e nem de glamourização da dor, mas de entender limites.
Planejar é pensar em limites. E a gente só entende os próprios limites fazendo um exercício profundo de auto-análise. Por isso, elaborei um estudo da vida, bem prático, para entender esse marcos, essas complexidades e obstáculos que se interpõem entre o planejar e executar. O planejamento criativo é isso: encontrar saídas para lidar com as adversidades que possam aparecer no caminho. E isso é criatividade também. A criatividade é sobre encontrar soluções.
E encontrar soluções também é sobre fazer as coisas com propósito. Escrever, pintar, desenhar, fazer música etc são atividades que unem propósito com criatividade. Por isso o planejamento criativo é importante para quem tem aspirações artísticas. Eu sei que a imagem do artista despirocado, uma alma atormentada pelo caos e a desorganização, é um clichê glamuroso. Mas a maioria dos artistas bem sucedidos em seus propósitos são pessoas minimamente organizadas com seus objetivos. Por isso o planejamento anual, para mim, é elemento essencial para a escrita.
Uma das coisas que eu contei para o pessoal na conversa por vídeo chamada é que eu gosto de ver o tempo mais como meu amigo do que meu inimigo. Quando a Simone canta no nosso ouvido no final do ano “e então é natal e o que você fez?”, a tendência é que a gente olhe para o resto do calendário e entre em desespero. Nesse momento, vemos o tempo como nosso inimigo, porque ele se apresenta como um material escasso. É nessa hora que podemos inverter o jeito como encaramos o mundo. Por que não olhar para os meses que vão vir e enxergá-los como o potencial para fazer as coisas que queremos? O tempo é nosso amigo porque ele nos permite fazer as coisas. Enquanto estivermos vivas, poderemos escolher o que fazer. Apenas a morte é o fim do tempo. E quando a morte chegar, aí sim não teremos mais o que fazer.
Planejar é estar aberta a mudar de planos. E para aceitar isso, é necessário um pouco de espaço na cabeça. Entender nossos limites faz parte desse exercício. É uma auto-análise que nunca vai terminar, porque enquanto estivermos vivos, estaremos habitando um mundo onde a vida muda a todo momento. O melhor que dá para fazer é contar o quanto podemos entender sobre nós mesmos, como pessoas, frente a essas mudanças.
Planejamento criativo 2024: um roteiro
Abaixo, vou deixar os templates que eu usei para fazer a auto-análise usando a plataforma Notion. Esses templates estão disponíveis só para os apoiadores — é um dos jeitos que eu tenho encontrado para agradecer o estímulo importantíssimo dessas pessoas ao apoiarem meu trabalho nessa longa caminhada.
Ao longo de 2024, quero fazer sessões de re-planejamento com os apoiadores. Penso em fazer pequenas rodas de bate-papo online a cada dois ou três meses, indicando leituras (sim, textos literários curtos que possibilitam reflexão) para apoiar esse exercício infindável de autoconhecimento.
Espero que o ensaio de hoje tenha ajudado de alguma forma. Falta um mês para acabar o ano e temos a nossa frente 12 novos amigos que podem nos ajudar a alcançar o que queremos para o nosso eu futuro.
Templates do Notion
Aqui vai a lista dos 4 templates para o planejamento criativo 2024.