Então, todo mundo é escritor?
Uma edição extraordinária na sexta, para comentar o assunto do dia (de ontem).
Sim. Porque algumas opiniões merecem um diálogo e não uma caixa de texto de 280 caracteres.
Todo mundo é escritor?
No mundo gringo, existe um termo chamado Twitterture, com seus prórios subgêneros literários. É o Twitter - sim, aquela plataforma social famosa pelas tretas dantescas - como literatura. Existem romances inteiros publicados no Twitter. E existem livros inteiros compostos de tweets sobre coisas banais do dia a dia. Não é uma piada, é real. Para contextualizar, há duas newsletters atrás eu mencionei o fenômeno dos livros no estilo "tweets selecionados”, publicações de autores que brincam com o velho mote das coletâneas de poetas, as conhecidas antologias de poemas selecionados.
Numa época em que Bob Dylan ganha o Nobel da Literatura, é mais do que esperado ver os formatos que nos tornam escritores entrando em debate. Se é que algum dia deixaram de ser questionados. Mas se com o Bob Dylan o debate foi sobre… o Bob Dylan e não sobre música como expressão literária, talvez o que importa mesmo para a discussão seja quem é escritor ou não.
Eu não tenho pretensão de responder ou comentar o tweet da Rosana. Mas estou muito interessada na intensidade das reações que essa declaração causou.
Por que responder a essa declaração foi tão importante para tanta gente? Por que as pessoas se incomodaram tanto?
Coincidência ou não, na manhã do mesmo dia eu assisti uma aula de literatura onde o professor afirmou categoricamente que qualquer registro escrito pode ser literatura (e em alguns casos nem precisa ser exatamente escrito, como a literatura oral). Muitas vezes quem define algumas formas de literatura nem é o escritor. Mas vou tentar usar o termo literatura como um guarda-chuva para fazer a pergunta abaixo.
Se tudo que a gente escreve ou produz pode ser literatura, a quem serve dizer quem é ou não é escritor?
O maior cliché em todos os textos sobre escrita que você vai ler entre autores jovens (em idade ou em carreira) é o sobre o desconforto em chamar a si próprios de escritores. É a dúvida que martela na cabeça de todo mundo e talvez seja uma das angústias que mais se compartilha. Todo dia eu topo com o texto de alguém se debruçando sobre isso.
Mas a solução do enigma me parece muito mais simples do que a gente quer fazer ser. No final das contas, nós colocamos no outro, no externo, o julgamento sobre se somos escritores. Nós arrancamos de nós mesmos essa certeza antes nos arriscarmos a ser. No Brasil não existe diploma de escritor - embora a PUCRS tenha um programa de mestrado em Escrita Criativa, e eu imagino que ainda deve ter alguém lá dentro que se questiona se é ou não escritor - e para nós, assim como na maioria do mundo, a régua que mede quem é escritor é: a publicação.
Você é escritor? Legal, então diz aí o nome do seu último livro. O link para o que você escreve. Tem gente que até vai colocar uma linha divisória entre essas duas últimas frases, admitindo escritores apenas quem publicou um livro, ou um conto em antologia ou revista, ou algum ensaio em periódico. Se você é escritor de blog, de newsletter (hehe), de tweets (hahaha), por favor, nem se dê ao trabalho de mencionar. Melhor dizer logo que você é ______(insira aqui a atividade que você cumpre na maior parte do seu dia ou aquilo que você faz para pagar as contas).
É esse diálogo que motiva linhas e linhas de questionamento sobre sou ou não sou escritor, ó, eis a questão entre a maioria das pessoas. Eu diria que quem está segurando esse dilema na mão já sabe que é escritor. O que a pessoa quer é a validação do externo. Ela quer que o outro entenda, aceite, concorde, que ela é uma pessoa escritora também.
E tudo bem. (Eu odeio a banalização dessa frase, mas ela caiu bem aqui. Então, paciência). Não é nossa culpa sentir que não somos uma coisa que queremos muito ser, porque existem questões além da gente impulsionando o sentimento. Nesse caso, como ir contra a corrente quando o mundo realmente só valida quem já publicou como sendo escritor? Não foi a gente que criou isso, nós nascemos num mundo que já veio embalado assim.
Não tem resposta ou fórmula pronta para resolver o dilema. Mas tem sim, a palavra, o texto. O Diálogo. A questão que fica é: vale a pena a treta?
A grande verdade é que não há controle nenhum sobre quem é ou não é escritor. Não importa o quanto a gente grite um com o outro.
No fim das contas, o tweet que gerou o furor todo não era sobre esse tipo de questionamento que eu falei no texto todo aqui. Porém, quem mais reagiu a ele fomos nós, os escritores de início de carreira. De blog, de Wattpad, de edital, de publicação independente. Por quê? Porque é um tópico sensível.
Porque pegou no nervo.
Mas quem ia saber, não é mesmo? Sendo o twitter literatura, vamos olhar para ele como tal. Sabemos que o texto é uma ferramenta de comunicação. E cada leitor vai interpretar a mensagem da maneira que se adequa melhor a visão do mundo em que ele vive.
Como estão seus tweets ultimamente? Quanto tempo estamos demorando para pensar nas coisas antes de reagir a elas? Como você anda produzindo sua literatura? Você descobriu que é (ou pode ser) escritor lendo esse texto?
Jabá
Eu sou escritora. Mas se você quiser me provar o contrário, pode conferir meu último trabalho publicado. Está na Amazon: Gênese de um corpo quente. Acho até conveniente, já que começou outubro. O mês do terror. Uuuuh.
Quem tem medo de ser escritor?
Por hoje é só.
Beijos, abraços e toda forma de afeto.
Vanessa Guedes.
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