Liturgia da buceta & o som do sangue
Fui atropelada pelo fim do ano e dezembro ainda nem chegou. Mas vai ser bruto. Você também está sentindo ele vindo?
Aviso: erros gramáticais, humanos, tipográficos, etc ,podem estar aqui.
Uma jornada literária humana
Eu me sentia tão prisioneira da lógica inexplicável do mundo quando era criança, que por um longo tempo acreditei que meus pais eram alienígenas.
Essa teoria me levou a questionamentos perigosos sobre, então, quem seriam meus pais de verdade. E o que esses pais alienígenas faziam quando eu não estava olhando. O que os meus pais faziam em privacidade? Será que eles sequer existiam quando eu não estava lá?
Virou uma mitologia única nas lacunas da mente.
Medo eu não tinha. Não. Pensava que, se eles quisessem me matar, eu não poderia fazer nada a respeito. Seria certeiro e impossível escapar. Então, eu apenas entrava na dança. Mas sempre com a absoluta certeza de que éramos, essencialmente, seres distintos. Vivíamos em um contrato entre espécies. E eu voltava minha atenção e análises para a sensação esquisita desse estranhamento. Me focava mais nisso do que nas razões por trás do teatro desse casal alien que criava uma criança humana.
“Não vejo meu corpo mas penso nele com desejo e minha consciência é o teto do mundo, como se o forro do meu crânio fosse o céu”.
(CÉSAR, Ana Cristina. Poética. Cia das Letras. 2013)
Quando minha irmã nasceu, a coisa mudou de figura. Foi por causa dela que eu parei de achar que minha família vinha de outro planeta. Havia alguma coisa no cheiro da pele da recém-nascida que me confirmava sermos feitas da mesma matéria, do mesmo tecido. Era um reconhecimento bruto, carnal, quase animalesco, de que pertencemos à mesma esfera biológica — e nada poderia contradizer a certeza cabal trazida por esse cheiro.
Hoje em dia, o som das mensagens de áudio da minha irmã evocam essa mesma confirmação primal. É uma continuidade de confirmações: eloquente e poderosa. O elo entre minha própria voz, a dela, a das primas, da mãe, das tias; nossa família essencialmente matriarcal — onde os homens só passaram a ensaiar uma presença muito tímida, e muito fraca, muito recentemente — unida pela biologia do som; o estremecer de nossas cordas vocais.
Morando do outro lado do planeta hoje, a confirmação do meu pertencimento chega pelo som do sangue.
A verdade é que nascemos, morremos e murchamos como a grama
Eu estava em Avalon.
As páginas do livro me transportaram para uma terra tão longínqua e estranha quanto um planeta novo. Meus pensamentos todos com Morgana das Fadas. Meu coração traumatizado pelo seu incesto com Artur e a dor da rejeição de Lancelote. A compreensão de que era impossível impedir a chegada de Nossa Senhora, Maria Mãe de Jesus, a santa, na ilha por onde tanto tempo a Deusa foi cultuada.
No meu itinerário literário, a liturgia do feminino aguardava:
lugares mágicos
histórias antigas
garotas petulantes
mulheres inteligentes.
Pense em outras possibilidades para mim.
Eu raramente completei esse itinerário de novo.
Uma escavação arqueológica da vontade; o sangue quer o que a mente quer.
Seria de bom tom refletir porquê eu queria esse itinerário específico.
Relações pré-natais com lugares mágicos:
o lugar de onde vim é um mito
não se sabe de onde vem minhas avós
(exceto a bisavó mbyá guarani)
somos filhas da violência
a inteligência é a arma do pobre.
Relações pré-natais com histórias antigas:
nenhuma
portanto, todas.
Relações pré-natais com garotas petulantes:
estamos vivas, não estamos?
Relações pré-natais com mulheres inteligentes:
sim, estamos.
O medo é o assassino da mente
Nas areias de Duna, me deparei com o trabalho geracional e ancião das sacerdotisas que aprenderam a domar o sangue. As Bene Gesserit.
Não era mais um itineŕario literário de identificação pelo trauma ou por um passado que jamais será desvendado. Era uma identificação com o futuro; a imaginação é uma ferramenta do sangue também.
O que você está fazendo aí se ainda não foi correndo ler Duna?
Planos desta newsletter para 2022
Primeiro, eu preciso que você (que está me lendo agora) ajude a divulgar os textos. É sério, eu realmente preciso aumentar meu alcance para dar um rumo sustentável a esse espaço para divulgar outros projetos. Qualquer tipo de divulgação é bem-vinda: encaminhar esse email para algum amigue, compartilhar o link da publicação nas redes sociais. Tudo é bem-vindo e eu serei eternamente grata.
Bullet Journal
Eu escrevi algumas coisas sobre o tema por aqui em 2021, mas me faltou uma estrutura mais certeira para organizar meus objetivos com a série “Bullet Journal sem frufru” — que basicamente é um guia para quem quer fazer agenda, planner ou diário pessoal de forma organizada, mas sem aquele apelo artístico que os influencers de Bullet Journal fazem. Sem frufru.
Em 2022 eu quero lançar essa série de modo contínuo e planejado.
Ficção
Você me verá experimentando publicar um romance vampírico de forma seriada. É a história de uma vampira brasileira que veio para a Suécia resgatar um artefato mágico sul-americano que está em exibição num museu em Estocolmo.
Talvez eu já esteja publicando a história em um lugar secreto da internet.
Quem achar ganha um prêmio (responda a esse email com o link ou comente o post).
Jabás e recomendações
Essa semana saiu um episódio do Pindorama sobre Não Pague Pela Boa Morte, noveleta do Rodrigo Hipólito na revista Mafagafo. No podcast, conversei com o sr. Basso e Moacir Fio, membros do fã-clube Hipóliters (junto com essa que vos escreve).
E se você não ouviu o episódio do Incêndio sobre o Nobel de Literatura, corre lá!
Quero saber o que vocês acham.
No mais, a Eita! chegou aos 175% faltando só 10 minutos para acabar a campanha no Catarse! Foi incrível e emocionante. Agora quem apoiou vai poder votar no tema da próxima edição. Obrigada a todo mundo que contribuiu!
E por hoje é só.
Beijos, abraços e toda forma de afeto.
Vanessa Guedes.
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