A escritora e amiga Giu Murakami postou uma questão que me intrigou no Twitter e eu tomei a decisão consciente de lhe responder com uma pergunta:
Talvez eu tenha perguntado isso muito mais para mim do que para ela.
Ontem foi meu aniversário e, no meio das felicitações, topei com alguns “eu te amo” de pessoas com quem nunca tive nenhum relacionamento romântico. O que senti não foi uma estranheza, mas uma sensação de plenitude imensa, mas que eu interpretei como estranheza num primeiro momento. Foi quando percebi que me desacostumei ao amor. Me senti meio triste, mas ao mesmo tempo feliz de entender que era só isso. Senti vontade de resgatar o tema.
Onde está o amor? Como identificá-lo?
O que ele é?
É sobre isso que me debruço nesta manhã de uma rara segunda-feira serena.
Atenção: o texto abaixo pode conter traços de erros de digitação e falhas gramaticais.
Existe amor além do amor romântico?
Eu estava trocando o pneu do carro do J., meu melhor amigo da época da faculdade, quando ele me disse: eu iria até o inferno te buscar, se um dia fosse preciso. Mais tarde, dentro do carro, ele botou Beatles para tocar - naquela época eu detestava Beatles - e num daqueles solavancos que o carro deu, o CD saiu do lugar por um momento e no intervalo daquele segundo eu disse para ele: eu te amo. A resposta veio na hora, sem rodeios: eu também te amo.
Foi a primeira vez que precisei trocar um pneu de carro e a primeira vez que eu lembro de ter falado “eu te amo” para alguém com quem eu não tinha um relacionamento romântico. Veja bem, eu e J. já tínhamos passado por isso (sim, a gente testou e… eerrr, não rolou), já tínhamos conversado sobre isso várias vezes e até as piadinhas das pessoas sobre quando a gente iria assumir não tinham graça para mais ninguém. Eu já não era adepta da monogamia e o J. tinha recém terminado um noivado longo. Nada nos impedia de viver um amor romântico, mas não era isso que a gente sentia. Eu gostava muito de dormir com J., mas não gostava de dormir com as pessoas com quem eu transava. Na cama dele, sonolenta, algumas vezes me perguntei se alimentava-o de esperanças que eu não tinha intenção de cumprir; mas também me indagava sobre a admiração e o cuidado que eu tinha com meu amigo, a imensidão do meu desejo de estar junto dele e a felicidade que isso gerava. Era algo que me pegava com muita gente, não só com J., mas ele se abria para mim inteiramente de volta - ao contrário das outras pessoas, em que sempre havia um limite, um impedimento, uma zona de conforto que nunca poderia ser cruzada. E ele me amava de volta sim, eu sabia, não era um amor feito de palavras, era um amor de deixar que eu invadisse seus limites e me aninhasse na sua intimidade. Não apenas a intimidade do corpo, mas a intimidade das ideias, dos sonhos, dos medos e dos surtos criativos. Era um amor de irmãos, mas ao mesmo tempo não era. O nosso amor era uma incógnita, um não-amor deslocado no meio de tantos modelos que não nos serviam. Não encontrávamos exemplos para o nosso relacionamento. Amar o J. era como desaprender a amar. Como pode um homem e uma mulher da mesma faixa etária estabelecer esse nível de intimidade, onde o afeto vinha sempre a galope, com essa crueza toda?
Amar o J. me abriu muitas possibilidades emocionais. Foi por causa dele que eu me abri para o mundo e deixei que o mundo me tragasse. Se era possível amar (amar de verdade!) alguém que não tinha o mesmo sangue e por quem eu não estava apaixonada, o que mais essa capacidade de amar me possibilitaria?
Quando peguei o avião que me fez mudar de endereço pela primeira vez na vida, eu deixei um J. chorando junto com meus pais para trás no aeroporto em Porto Alegre. E quando aterrissei em São Paulo, encontrei pessoas que me conheciam apenas pela internet, me esperando ao pé da escada rolante do aeroporto, cheias de sorrisos. Os abraços de boas-vindas que encaixaram-se no meu corpo naquele dia permanecem me envolvendo até hoje. São abraços que duram anos, mas naquele momento eram apenas sementes, promessas. Eram mundos que se abriam para mim e eu escolhi me jogar neles sem nada projetar, sem nada esperar além da chance de atravessar os limites e buscar uma proximidade crua. Novas formas de amor.
Amores novos não inviabilizam os outros que já temos. Eles juntos formam imensidão.
Como vai longe a pessoa que se sente amada, né Vanessa? A terapeuta me lançou essa. E chorei muito ouvindo isso, porque é sim uma grande verdade.
Mas para ser amada também nos custa o amor. Não o amor que sentimos, pois esse é impossível de ser qualificado, medido ou descrito - porque se sente, e se sente diferente com cada pessoa. O amor que precisamos perder para poder amar é esse ideal que construímos com os filmes. Essa dualidade que nos apresenta um número fixo de tipos de amor que podemos viver, e com eles os protocolos que devemos seguir: o amante, o filho e os pais. O pouquinho que sobra precisa ser doado em medida certa a alguns amigos mais próximos, medindo intimidade e paixão, como um privilégio. Esse amor protocolar às vezes me parece tão pouco. Não é que a gente não possa nutrir um amor desmedido por essas categorias de pessoas, mas por que distribuir o amor apenas de acordo com essas regras impostas, como se o amor fosse uma commodity?
E o amor com paixão? E o rala-e-rola?
Eu tenho para mim que nem todas as paixões e amores precisam ser consumados. Tem coisas que são muito melhores na imaginação. Eu não só acredito nisso, como faço disso meu ofício (escritora) e nem consigo imaginar como seria viver com a frustração de tantos crushes que já tive e nem me esforcei em chegar às vias de fato. O mundo está cheio de gente interessante. Às vezes o que nos faz apaixonar por alguém é a melhor coisa que a pessoa tem para nos oferecer. Nem sempre precisamos seguir a paixão protocolar até o fim, sabe?
Em contrapartida, na primeira vez em que me apaixonei por uma mulher, só soube que era correspondida porque ela me roubou um beijão daqueles de filme enquanto eu dissertava sobre alguma coisa super cabeçuda, tentando impressioná-la. Na minha cabeça, essa mulher era uma dessas paixonites que viveria e morreria na minha imaginação; logo, foi bom que ela tenha concretizado o meu desejo. Esse talvez seja o lado mais cruel da idealização do amor romântico; ele depende da correspondência. Precisa obrigatoriamente ser uma troca para ser vivido, e precisa ser vivido para ser válido, do contrário, não era amor, era tragédia. As pessoas esperam que a troca seja sempre igualitária, mas ela nunca é. Mora aí, talvez, a impossibilidade das pessoas em se sentirem amadas. O amor precisa ser exatamente do jeito que elas esperam, como elas sonham. Mas ele nunca é.
Afinal, o que é o amor?
Jabás e recomendações
Semana passada o Rapha, um ilustrador muito talentoso que por sorte também é meu amigão, postou a segunda carta de tarot que ele desenhou esse ano. 8 de ouros. É um projeto bem bacana e eu tive o prazer de escrever o significado da carta para ele postar junto pelas redes.
Segue a gente no instagram para acompanhar o projeto e clica aqui na imagem abaixo para ler a descrição que eu criei:
No mais, vocês viram que a nova edição da Eita! Magazine tá disponível? Não? Então entra aqui nesse link para conferir.
Por hoje é só.
Beijos, abraços e toda forma de amor.
Vanessa Guedes.
Sent from my tamagotchi
dei uma choradinha lendo? dei sim.
Pode comentar um anon depois? Muito obrigado por esse texto, a Anna está certo. Ele é lindo e delicado.