Tenho um pouco de inveja de quem consegue se organizar com naturalidade. Todos os dias eu paro aqui na minha mesa de trabalho e cato a bagunça, passo um paninho, ajeito a posição dos objetos que realmente pertencem a mesa. E tudo isso para quê?
Dali duas horas o caos já tomou conta de novo. Foi preciso anos de hábito em punho para entender que se o momento da organização não tivesse acontecido mais cedo, a bagunça seria simplesmente monstruosa. Então, meu pacto pessoal é: mais fácil matar um monstro menorzinho todos os dias do que um dragão gigante que não pode mais ser ignorado no fim do mês.
Essa regra meio maníaca parece se solidificar com mais intensidade sobre as pessoas. Às vezes conheço alguém novo, as coisas são legais, mas tem uma coisinha ali que não encaixa, que não cai bem na dinâmica. Mas sendo algo que pertence ao outro, vou deixando passar. Vou engolindo porque todo o resto é legal, é empolgante. No final, invariavelmente aquela coisinha vira o dragão.
Felizmente para uns, infelizmente para outros, pessoas não são objetos. Matar o dragão na minha mesa é uma faxina, no fim do dia a mesa está como eu preciso que ela esteja. Matar o dragão na pessoa implica sempre em uma ruptura. E das grandes.
Agora que as rupturas sociais se tornam farinha do dia a dia, me pergunto se essas coisas não são mini agressões que se sobrepõem uma atrás da outra para formar nosso inferno pessoal. Uma bola de decepções para nos fazer eternamente insatisfeitos, saudosos de quando era possível conviver com o pequeno monstro, aquele que deixamos passar, aquele que alimentamos e que invariavelmente virou esse grande bichão impossível de ser ignorado.
Tenho inveja de quem consegue se organizar com naturalidade, separar os amigos em grupos distintos e manter as coisas em ordem, abstrair de partes de si mesmo para manter a boa relação com os vizinhos. Quando eu era mais jovem, me parece que havia disposição para isso. Ou era simplesmente um grande desinteresse em entrar em conflito, não sei. Mas a cada dia que passa fica mais e mais difícil arrancar qualquer pedacinho da minha carne para alimentar o monstrinho que vive em outras pessoas.
Ninguém me disse que envelhecer poderia ser tão duro e libertador ao mesmo tempo.
Mood da semana
nascimentos
aniversários
e funerais não param
e nós estamos aqui
as tatuagens velhas de juventude
e os lenços de rock star
para combinar com os tênis furados
e as mais novas crises de identidade
vamos passar a semana
almoçando pipoca
jantando sorvete
trocaremos uma liberdade ou outra
por um colo
ou um café recém passado.
Jabás e sugestões
Ontem foi minha estreia como colunista do site Querido Clássico. Escrevi um pouco sobre os horrores sociais nos filmes de George Romero e Jordan Peele no artigo O horror da manhã seguinte.
Também participei em dois episódios complementares do podcast sobre história da arte, o Não Pod Tocar. Eu e a outra convidada, a cineasta e roteirista Carissa Vieira, conversamos com os queridos hosts do programa, Rodrigo e Fabiana, sobre Obras que dão Medo e Obras que dão Nojo.
Outubro, mês do horror e afins está na reta final. Se você gostou do filme do Besouro Suco (Beetlejuice) ou do famoso A Morte Lhe Cai Bem, você vai gostar da noveleta Não Pague Pela Boa Morte. A narrativa é o mais novo lançamento da Mafagafo Revista, de distribuição gratuita, conteúdo brilhante e a autoria dessa obra é do querido Rodrigo Hipólito. Recomendadíssimo.
No mais, fiquem ligados na campanha da Eita! Magazine no Catarse.
Tá cheio de novidades!
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Eu adoro conversar com quem responde esses emails.
Por hoje é só.
Beijos, abraços e toda forma de afeto.
Vanessa Guedes.
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Sent from my tamagotchi
Este texto já começou me definindo. Incríveis as conexões que estes pensamentos e sensações nos trazem.
E incrível como a fase do amadurecimento chega nos trazendo certas seleções que antes não tínhamos. Tudo alinhado com o autoconhecimento e ligado ao desespero de querer ser quem a gente é, sem tem que nos desfazer em pedacinhos pra poder se encaixar em lugares que a gente sente que não pertence.
Fiquei fascinada pelo tema, talvez eu esteja passando pelo mesmo momento. Uma pena que não sei expressar meus pensamentos em forma de texto e trazer uma discussão de uma forma tão interessante. Aliás, a cada texto teu que leio, fico admirada com a forma que traz teus pensamentos.