Nada a declarar
Essa semana meu psicológico comeu cinco trufas de chocolate deliciosas, uma atrás da outra. A língua se esfregou na pele suave das micro partículas de chocolate em pó, parecia uma festa, uma saliência boa demais e eu pensei: pronto, meu corpo também precisava desse fuzuê. E mordia trufa atrás de trufa, esfregando o cacau pela boca, derretendo tudo na saliva. Imaginei como que faziam aquelas trufas tão deliciosas, ao mesmo tempo concluí: não, não quero saber.
Tem segredos que merecem viver envolvidos na aura do mistério, como aquele chocolate merecia estar envolvido por aquela cobertura gostosa de cacau em pó.
Atenção: o texto abaixo pode conter traços de mau uso da língua portuguesa.
Será culpa?
Eu detesto quando os textos começam com “sei que sumi por um tempo, mas estou de volta”. Veja bem, a pessoa que escreve me coloca em uma posição que jamais escolhi estar: a de leitora que está na expectativa de um texto novo.
A não ser que a pessoa em questão seja a Elena Ferrante, provavelmente eu não estou esperando nada. Mas gosto quando algo novo vem. Claro! Se eu não gostasse, nem me daria ao trabalho de ler o blog, assinar a newsletter ou seguir nas redes sociais. Só me incomodo quando a pessoa escritora acha que deve algo ao mundo - a não ser que esteja sendo remunerada (infelizmente o capitalismo tá aí para fazer a gente sempre voltar para isso, por questão de subsistência) - quando provavelmente a pessoa está escrevendo por amor a camiseta mesmo. Ou porque é divertido, porque traz alguma espécie de satisfação pessoal.
Outra coisa que me deixa incomodada é ler “eu tenho um blog, mas está desatualizado” que parece uma informação incoerente, ainda que perfeitamente lógica. É como se a pessoa estivesse comunicando que hoje em dia ela não é mais a mesma, que as palavras ali já não representam quem ela é ou o que ela faz agora, mas ali está um registro, uma prova, de que ela uma vez pertenceu (e talvez ainda pertença) ao grupo de “pessoas que já escreveram um blog”.
Eu nunca verbalizei esse incômodo para ninguém até hoje porque é uma opinião completamente irrelevante e talvez até deselegante. Não vou me desculpar, mas vou confessar que sou ridícula ao ponto de eu mesma estar toda semana nesse impasse. Será que um dia eu mesma vou escrever um texto onde eu começo me desculpando por escrever e por não escrever ao mesmo tempo? Dilemas.
Hoje eu estou batendo com a cabeça para terminar uma história de horror (há vinte dias eu estou nessa situação) cujo final eu já sei. Então abri meu diário, para fingir que estou procrastinando de forma útil, em uma página aleatória de novembro e encontrei isso:
“Percebo que é difícil escrever quando todo mundo (todo mundo?) só está falando em… escrever [..] e esse mês de novembro em que geral entra no acordo coletivo de sofrer em grupo, como se todo ser humano se desse bem contabilizando palavras”
Eis outra coisa que acho insuportável e que eu mesma fiz no passado. Publicizar o número de palavras escritas no dia. Não há nada de errado nisso, por isso mesmo eu não me sinto no direito de expressar opinião. Inclusive é uma coisa completamente incontrolável; talvez mais da metade dos escritores que eu sigo nas redes fazem isso. Gente que eu gosto, gente que amo e também gente com quem não me importo. Todo mundo. (Todo mundo?)
O incômodo na verdade é sobre mim, claro. E demorei mais ou menos três longos anos para entender que meu ritmo é diferente, que ninguém espera que eu faça esse acompanhamento público da minha produção pessoal. No fundo, no fundo… ninguém se importa!
E tudo bem.
Eu tenho uma pilha de rascunhos e dois zines pela metade para postar aqui na newsletter, mas escrevi essa cartinha bem freestyle direto no editor de texto da própria ferramenta de postagem hoje. Porque hoje é um dia que não tenho nada a declarar. Não me sinto compelida a revelar qualquer segredo por aqui.
Mas hoje é um dia atípico, uma segunda-feira que consegui reservar um bloco de horas enorme para escrever (um luxo!!!) e resolvi começar soltando a mão assim.
Agora vou ali vestir meu figurino de monstro e voltar para o texto de ficção.
1 Beijinho,
Vanessa.
Sent from my tamagotchi