Por que escrever e publicar?
Pensando na escrita como ofício
Assunto espinhoso. Um dos temas recorrentes nos meus diários é o questionamento sobre porque diabos eu quero publicar as coisas que eu escrevo.
É narcisismo? É vontade de ser ouvida? O que eu tenho a dizer é tão importante assim para qualquer pessoa além de mim mesma?
Esse assunto dói em muita gente.
Então, bora enfiar o dedo na ferida.
O que vale a pena publicar
No seu livro sobre escrever, o autor Samuel Delany diz que é obrigação do escritor olhar para todos os livros que já leu na vida e escrever melhor do que o já foi feito antes.
Meu pai disse algo parecido com isso quando eu era adolescente. Falou que não importava o que eu ia fazer da vida desde que eu fizesse melhor do que os que vieram antes de mim. Ele se referia às pessoas mais velhas em geral, na minha interpretação. Mas o que seria ser melhor do que aqueles que me davam o exemplo? Mais tarde, ele explicou melhor. Queria que eu olhasse com atenção para as outras pessoas e aprendesse com a experiência delas o que valia a pena trazer para minha vida. (Foi assim que eu fui estudar programação e não jornalismo, como eu queria. Mas essa história fica para outro dia).
É mais ou menos isso que o Delany quer dizer em suas mais de 500 páginas de explanação sobre o tema. Ele mostra como nós podemos usar as obras dos outros para aprender o que funciona no nosso próprio texto. Não é se comparar com os colegas, mas aprender a jogar com o conhecimento técnico que eles nos mostram através da própria leitura. Eu gosto de olhar para a escrita dos outros assim, com essa gentileza. Todo texto nos ensina algo.
“Parece que o escritor está contando uma história. O que o escritor está fazendo, porém, é usar palavras para evocar uma série de micromemórias da sua própria experiência que mistura, une e conecta na sua mente. [..] [Assim] você tem uma memória sustentável de algo que nunca lhe aconteceu. Aquela falsa memória é a história.”
Livre tradução. (DELANY, Samuel R. About writing. Wesleyan University Press. 2013)
O processo de escrita de muita gente começa com a cabeça na publicação. Não há nada de errado com isso (em teoria). Mas ao ler diversos livros sobre escrita, eu notei a repetição da seguinte lição: entenda porque você escreve antes de jogar seus textos para o mundo. É uma pergunta difícil de responder para uns, fácil para outros. George Orwell, em seu ensaio Por que escrevo, lista quatro motivações: puro egoísmo, entusiasmo estético, impulso histórico e propósito político. Ele se debruça sobre as quatro para mostrar que
“Cada linha de trabalho sério que escrevi desde 1936 foi escrita, direta ou indiretamente, contra o totalitarismo e a favor do socialismo democrático [...]. Me parece sem sentido, num período como o nosso, pensar que alguém pode ignorar escrever sobre tais assuntos. [..] Eu escrevo porque há alguma mentira que eu quero expor, algum fato para o qual quero chamar atenção, e minha preocupação inicial é conseguir um público.”
Livre tradução. (ORWELL, George. Why I write. Penguin Books. 2004). Em português, Por que escrevo.
O que eu tenho a dizer é tão importante assim?
Essa pergunta me atravessa toda vez em que eu penso em publicar um texto. Diferente de quando eu sento para escrever, quando nada me impede de ser ou fazer o que eu quiser com o papel. Selecionar o que vale a pena jogar no mundo é sempre um desafio.
E aí, será que valeu a pena publicar esse texto que você está lendo agora?
O texto acima é um trecho de um ensaio de setembro de 2021, que apresenta a segunda edição do meu fanzine Loucura Funcional *gratuito no link abaixo.