Corpo diferente & o fanzine Loucura Funcional
Agosto está na reta final. Parece que vivemos em um eterno banco de ônibus; parados no mesmo lugar, sentados, ainda assim avançamos. A vida lá fora passa pelos nossos olhos pela janela, pelas telas. É um borrão.
Espero que a gente esteja bem descansado e acordados quando o nosso ponto chegar. Para descer com calma e apreciar a vista do lado de fora.
O corpo
Esses dias me olhei no espelho nua e não me reconheci. Onde era longo e torneado, agora é roliço e meio massudo. Onde era arredondado, curvilíneo, agora é meio quadrado, desengonçado. Foi como se uma outra pessoa estivesse olhando de volta para mim no espelho. Estou exagerando um pouco, claro, mas foi a sensação na hora.
Lembrei da minha mãe e minhas tias reclamando de coisas que agora eu vejo na minha própria carne. Elas costumam se justificar uma para outra com: a gravidez transforma nossos corpos mesmo. Mas eu nunca estive grávida. Ainda as mesmas mudanças ocorrem no meu corpo. Logo, é genética. Mas como não lembro de nenhuma mulher com mais de 30 anos sem filhos na minha família, eu devo ser a primeira a descobrir a grande verdade sobre nossas rechonchudas certezas.
Minha mágoa em frente ao espelho não foi pelo corpo que se transforma. Mas pelo direito de não gostar do que eu vi. Desde o início da vida adulta, tive a grande sacada de me aproximar apenas de pessoas que não me informam se gostam ou não do meu corpo, se engordei ou emagreci. Posso dizer com tranquilidade que eu vivo numa bolha de body positivity. Então, não gostar do meu corpo mais gorducho parece... errado. Muito errado.
De modos que me magoo duplamente: pelo corpo em si e por estar não gostando do corpo.
E não é que agora eu me odeie. Amo minhas tatuagens, meus músculos que me carregam correndo pela floresta do bairro todos os dias e minha coluna que dobra meu corpo em dois até que a palma da minha mão encoste no chão. Acho que com a idade, meu rosto está ficando mais interessante também - tem gente que é assim, o ar de maturidade que as linhas da cara vão pegando imprimem uma beleza mais dura, menos iludida com as expectativas da juventude. Mas não de um jeito ressentido. De um jeito fluido, apropriado. Mais honesto. É como se um rosto de adulto me fizesse bem.
Ou talvez seja porque estou ficando muito mais parecida com minha mãe e minhas tias agora. E eu acho elas todas lindas.
Fui atrás de exercícios mais pesados na pressa de corrigir a ação de tempo; de tanto pesquisar e planejar, acabei comprando um livro do Murakami. É, vai. Pode rir.
Eu já sabia há muitos anos que quanto mais eu corro, mais eu escrevo - mas não ao mesmo tempo! Ainda não aprendi a escrever correndo e nem sei se quero. Mas reconheço que, para mim, existe uma relação entre suor e criatividade, suor e produção, suor e problemas.
Olhar para o meu corpo com mais atenção e repensar como eu estou mexendo ele está fazendo eu escrever mais. Geralmente é quando eu estou com desconfortos na vida e na escrita que eu procuro mais desgaste físico. Como se sentir na minha pele os engasgos dos meus problemas fosse parte da resolução deles.
“Ao correr por mais tempo é como se eu pudesse fisicamente esgotar aquela parte do meu mal-estar. Também me faz entender o quão fraco eu sou, o quão limitada é minha capacidade. Eu me torno fisicamente consciente desses pontos baixos”.
Minha tradução livre de Haruki Murakami em What I Talk About When I Talk About Running.
Eu tenho muitas ressalvas a várias coisas que Murakami ensina neste livro. Mas ainda consigo me identificar com ele em tantos pontos que é impossível dizer que não recomendo a leitura. Leia, vale a pena. Mas leia como um relato, uma opinião, não um manual de como as coisas devem ser feitas.
Loucura Funcional: um fanzine
Um fanzine é uma publicação descompromissada, com qualquer finalidade que você possa imaginar. Talvez seja mais digno dizer que um fanzine é uma coleção de conteúdos desenhados, escritos ou colados (ou tudo isso junto) em folhas de papel de modo a parecer um pequeno livreto. Uma publicação independente, frequentemente de edição única.
Sempre gostei de produzir zines e deixar guardado. Tenho alguns de colagem que fiz na adolescência, outros de poesia que comecei a fazer há uns anos atrás. A novidade da vez é que resolvi fazer um zine digital.
Não é a primeira vez. Lá pelos idos de 2009 eu fiz um fanzine feminista usando Gimp, que durou apenas uma edição. Era uma única folha A4 com piadinhas misândricas bem ruins, que eu imprimi e colei… na porta dos banheiros femininos da universidade.
Agora, 13 anos depois, faço um fanzine de 13 páginas, sem misandria, com o tema Loucura Funcional.
Tal qual qualquer zine, esse aqui não tem pretensão de nada. É um jeito de desovar pequenos desabafos que escrevo no meu diário pessoal. Seguindo a proposta dessa newsletter, acho apropriado lançar esse vislumbre de palavras que eu jamais publicaria “a sério” em lugar nenhum.
Nesse fanzine você encontra:
reflexões sobre a morte do autor
uma receita de drink
poesia
e umas outras coisinhas aleatórias.
Para ler Loucura Funcional: Volume 1, clique aqui.
(Você pode ler na web ou baixar. O arquivo tem cerca de 20MB).
Na próxima newsletter
Semana que vem tem a continuação das reflexões sobre minha obsessão com listas e as dicas de como fazer um Bullet Journal.
Lembrando que o primeiro exercício que eu mandei é o Papelzinho do Diabo. E você pode acessar o texto sobre ele aqui.
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Jabás: podcasts e resenhas
No Incêndio na Escrivaninha, botamos no ar os episódios:
1980: Vírus, neon e o muro, com o Toni Moraes, escritor e editor na Monomito.
1990: Novelas, internet e o grunge, com o Rodrigo Hipólito, professor e podcaster no Não Pod Tocar.
O podcast está em todos os tocadores de podcast e também no Spotify. O Incêndio é apresentado por mim, Ana Rusche e Thiago Ambrósio Lage.
Num podcast vizinho, o Pindorama, que faz só resenhas de obras de ficção especulativa brasileiras, saiu um episódio sobre o meu Suor e Silício na Terra da Garoa. Eu me diverti litros ouvindo. Talvez seja interessante para quem leu a noveleta.
E se você ainda não leu essa noveleta que publiquei ano passado, você pode acessá-la gratuitamente aqui.
Também saiu uma resenha muito legal sobre a terceira edição da revista Mafagafo (onde essa minha noveleta foi publicada) no site Nota Manuscrita, um artigo de autoria do querido Rodrigo Hipólito.
Agradecimentos
A campanha do livro Veludo & Sangue no Catarse terminou. E nós atingimos 145% da meta! Obrigada a todo mundo que apoiou.
A Rocket publicou um trecho do meu conto na coletânea em um dos emails para quem apoiou a campanha no Catarse. Se você apoiou e não viu a degustação do conto, basta procurar por “Reta final e degustação de conto” na sua caixa de entrada.
Por hoje, é isso.
Beijos, abraços e toda forma de afeto.
Vanessa Guedes.
(twitter)(instagram)
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