Espanto-me com a criatividade de autores de ficção. Creio, às vezes, que passo sempre muito longe da capacidade de conceber universos como meus colegas de profissão. Mas me sinto profundamente satisfeita de poder navegar por esses universos que eles criam. Passear pela mente alheia é a nossa melhor chance de pensar diferente.
A alegria de encontrar a novidade no outro.
Estou lendo muitas newsletters. Faço questão. Deixou de ser um saudosismo dos blogs e passou a ser essa experiência prazerosa de passear pelo raciocínio e as emoções de alguém real que vive no mesmo tempo que eu. Os posts de blogs de 15 anos atrás eram outro estilo, outros temas, outra lógica. Fico feliz de ver a mudança no texto de quem eu já acompanhava naquela época, assim como amo descobrir gente que começou a escrever ontem.
Quando voltei do Caminho de Santiago em julho, fiquei duas semanas trancada em casa processando a jornada. Por alguma razão, eu acreditei que me enfurnar no meu quarto traria meu corpo e minha alma de volta ao lar. Uma espécie de aterramento do meu eu-interior. Como eu havia voltado me sentindo praticamente uma bolha flutuando no mundo, pensando em tudo e em nada, sabia que precisava voltar à terra de alguma forma. Foi só quando eu caminhei pela floresta aqui do bairro, por onde caminho todos os dias há quatro anos, faça chuva ou faça sol, que me senti de volta. Depois de tantos anos perambulando pelo mesmo caminho, passei a reconhecer as árvores, entender a diferença nos nós do tronco e dos galhos de cada uma. As alterações na sua aparência ao correr das estações. Aprendi a assisti-las morrer no inverno e ressuscitar na primavera ano após ano. Encontrá-las depois da jornada do Caminho foi, finalmente, voltar para casa.
Depois de passear por inúmeras florestas e bosques desconhecidos pelo interior de Portugal e Espanha, voltar para as árvores que me rodeiam aqui no subúrbio de Estocolmo é encontrar o abraço de velhos familiares.
Sinto uma emoção muito parecida ao ver o texto longo voltar a povoar meus dias através das newsletters. Depois de anos consumindo os textos de vocês aos fragmentos, tropeços e mergulhos estranhos em plataformas criadas para vídeos e fotos, é um alívio imenso encontrá-los em espaços feito para eles. É como voltar para minha floresta aqui de casa depois de uma jornada longa, truncada, maravilhosa, mas cansativa.
Encontrar meu passatempo na caixa de e-mails é um alívio depois de muito tempo usando instagram, twitter, youtube e tiktok como descanso mental.
Continuem escrevendo.
Continuem experimentando.
(E me mandem os links dos textos de vocês!)
Por hoje é só.
Beijos, abraços e toda forma de afeto.
Vanessa Guedes.
Sent from my tamagotchi
ps: hoje foi difícil manter a promessa de escrever textos menores às quintas-feiras. Mas estou aprendendo!
Vanessa, amei a forma como você definiu esse prazer que é a leitura de newsletters. É exatamente assim que me sinto. Obrigada pelo texto delicioso - me fez ter ainda mais prazer de ler ❤️
Leio suas newsletters há algum tempo e passei a ler do Luri (que te indiquei ontem) e da Aline Valek nessa mesma plataforma. Tem sido voltar às raízes, para usar a imagem da árvore que trouxe. É curioso porque vejo um contraste entre esse tipo de newsletter e o trabalho de autopromoção nas redes sociais que a gente se obriga a fazer (ou não). Eu achava que para escrever newsletter você precisaria ser interessante, ter uma epifania fora do comum, mas comecei ontem e percebi que escrever esses textos vem muito mais natural do que se fazer interessante nas redes (como se todo dia eu fosse ter alguma coisa interessante para contar do livro, da minha carreira, de mim, etc). Mas essa onda de newsletter provoca novas ondas, reflexões e inspirações. A sua newsletter me inspirou a começar a minha e a sua se hoje me fez pensar ou tentar refletir o que significa essa volta de newsletters. Será que estamos percebendo que os textos picotados com um recorte muito específico (impressionar, ser útil no sentido de tutorial, passar dicas todos os dias) deixou de ou nunca fez tanto sentido para nós? O que você acha?