O drama da exposição
Foto de bunda ou trecho de texto, qual desses faz de mim mais exposta?
Eu estou com uma imensa ressaca social, uma espécie de depressão pós-coito de 72 horas de duração. Ou seja, meio sem filtro para falar de uma parada complicada.
Enjoy the exposure.
Bunda no livro
Em 2016, eu comprei um livro de poesias que veio com uma surpresa solta no meio das páginas: uma foto da bunda da autora.
Assim, numa polaroid. Sem aviso nenhum.
Mira González, ícone da poesia alternativa estadunidense há uma década atrás, reverteu uma velha lenda da divulgação. Aquela que diz que nossas bundas vendem. Nesse caso, a bunda veio depois da venda, como uma recompensa-surpresa, e não um chamariz para vender o livro. Como uma recompensa de Catarse melhor do que as recompensas de Catarse
Tem alguma coisa nesse negócio que a Mira fez que bota em cheque algumas das minhas convicções.
É feio divulgar o próprio trabalho
Eu tenho mais vergonha de compartilhar meus textos pelas redes sociais do que de ficar pelada em público.
Parece que estou panfletando minhas ideias na cara dos meus amigos e conhecidos. Dá nos nervos. É um sentimento ambíguo; para dar sentido a essa vida de escrita, eu preciso ter leitores, e para ter leitores, eu preciso divulgar meu trabalho.
Sinto-me desconfortável com essa missão de divulgação contínua com o qual eu não concordei quando vim parar aqui na internet. Ao mesmo tempo, seria uma ingenuidade enorme pensar que as pessoas vão achar meus textos por puro acaso do destino. Se eu ficar aqui sentada escrevendo pro vento, nada acontece.
Existe um consenso velado de que para divulgar o próprio trabalho é necessário ter um certo prestígio anterior. Como se houvessem símbolos que validassem a atitude da autopromoção nas redes. Aquele tipo de pensamento “ok, essa pessoa é realmente digna de fazer autopromoção, olha só, é uma autora publicada de verdade” ou ainda “a fulana tem 15k seguidores no IG, vamos ler o que ela tem para dizer”.
Postar a cara ou o livro?
Muita gente me escreve dizendo que queria escrever uma newsletter também. E eu entendo que o maior medo das pessoas geralmente não é escrever em si, mas divulgar o que se escreve.
Olivia Sudjic disserta sobre pessoas artistas no seu Exposure:
(todos os trechos aqui citados são traduções minhas)
“Elas têm medo de ter medo e começam a evitar tudo que possa disparar sentimentos ruins - geralmente, qualquer situação que as tire do controle.”
A internet é um canal de exposição. Portanto, uma fonte de gatilhos para ansiedade.
Muitas vezes nós deixamos de escrever para não disparar esses gatilhos: e se eu falar besteira? E se eu for cancelada? E se, no fundo, eu não entender nada do que estou falando? E se não gostarem do que escrevi? Ou pior:
e se ninguém ler?
Divulgar nosso trabalho na internet é uma forma brutal de exposição.
“Mais uma! Mais uma mina achando que é um floquinho de neve, exigindo atenção, espaços seguros e avisos de gatilho […] Talvez seja por isso que mulheres na casa dos 20 e poucos tenham os maiores níveis de ansiedade, mas não são as únicas, claro.”
A gente nem precisa estar pensando em divulgar o nosso trabalho para sentir o monstro do medo da exposição chegando. Às vezes basta ter um perfil no instagram.
Por exemplo, eu tenho vergonha ressalvas sobre postar selfies. Isso não tem nada a ver com o drama sobre divulgar meus textos. Pelo menos não diretamente. É como se colocar minha cara na internet fosse uma ideia ridícula.
Qual seria o próposito?
Guardar memórias de momentos legais com meus amigos e família, ok. Mas dizer para geral que eu acordei me achando bonita? Não, não.
Quando divulgo fotos de livros, tenho um alcance baixo na rede. Quando divulgo fotos de livros com o meu rosto do lado (tipo uma selfie com o livro) o alcance é muito maior. O que aprendi com isso? Que fotos da minha cara trazem mais interações. Eu geralmente não quero postar fotos da minha cara, mas acabo fazendo.
Então o loop volta para: mas por que eu queria mais interações? Eu realmente quero isso ou o mundo está me direcionando para querer isso?
Morar na cabeça da mulher do século 21 é um tormento.
Mas penso em fazer um instagram para essa newsletter.
Será que devo?
(um mini saudosismo)
Acho que por isso eu gostava dos blogs. Ou da “época de ouro dos blogs”.
Era uma rede bonita, um indicava o texto do outro e todo mundo era leitor. O blogroll (lista de blogs recomendados que aparecia da homepage da maioria dos blogs) era como a lista de recomendados aqui no Substack. Não havia uma hierarquia definida e avaliações de relevância, porque não havia um monitoramento sobre quantos leitores seguidores cada blog tinha. Até rolava uma divulgação de número de pageviews etc, mas isso não era tão importante na hora de escolher um texto para ler.
Saudades.
Exposição
“A internet poderia nos livrar do medo do julgamento ou de qualquer estigma social. Em geral, exatamente pelo jeito com que ela junta pessoas diferentes. Isso deveria reduzir a ansiedade, mas por várias razões acaba produzindo o efeito contrário. A sensação é de que todo mundo está se escondendo atrás das telas, visíveis ou invisíveis, observando uns aos outros. Nós estamos paralisados pela máquina caça-cliques das timelines. Tornamo-nos hipervigilantes, monitorando cada mudança no ambiente, ficando de olho em qualquer ameaça potencial.”
(Tradução minha. Ainda do livro Exposure, da Sudjic)
A conversa sobre o excesso de exposição não é de hoje.
Até onde vai essa ressaca moral coletiva?
Vamos conversando.
Por hoje é só.
Beijos, abraços e toda forma de afeto.
Vanessa Guedes.
(instagram)
(a hipocrisia)
> Mas penso em fazer um instagram para essa newsletter.
> Será que devo?
Sim, deve! mas não vai dar trabalho manter o teu perfil e mais um pra newsletter? ou isso abriria espaço pra postar coisas que talvez o "público" do instagram pessoal não tenha interesse?
> Até onde vai essa ressaca moral coletiva?
Metade de mim olha feio pra exposição excessiva dos outros, a outra metade queria ter a confiança de se expor lol tenho fé que as próximas gerações vão ter uma relação mais normal com essa exposição e que infelizmente somos a geração que ficou no meio do processo
obrigada pelo tapa na cara, Nessa.
te amo