1) há pessoas de carne e osso na internet
Essa semana apareceu a foto de uma garota desconhecida de calcinha e sutiã na minha timeline do instagram e eu fiquei sem entender de quem se tratava. Nem o nome da pessoa que postou me disse coisa alguma. Entrei no perfil e descobri se tratar de alguém que eu sigo por causa de receitas fáceis. Eu estou tão acostumada a ver só as mãos da pessoa e a comida sendo manipulada nos vídeos que aquela foto sensual pareceu-me completamente fora de contexto. No fim, eu simplesmente caí na armadilha de esquecer que por trás de um perfil em rede social existe uma pessoa de carne e osso.
Uma das coisas mais bizarras desse momento da internet é a profissionalização da imagem pessoal. Eu tenho lido muito sobre como usar as redes sociais de modo mais consciente — a presença online hoje é tão importante quanto a qualidade do que a gente escreve, não adianta — e, das lições mais básicas sobre o famigerado marketing pessoal e afins, encontar um nicho e se posicionar como especialista é um conselho unânime.
A orientação geral é que você seja uma pessoa monotemática. Escolha um assunto, uma profissão ou uma obsessão e fale só sobre isso. Pode observar aí pelas redes sociais: poucas contas parecem uma colcha de retalhos de uma vida exibida na base do recorte, da inconsistência e da vontade de postar como quem coloca uma foto dentro de um saquinho de plástico em um álbum de fotografias vagabundo. A maioria dos perfis parece ter um norte muito claro. Um propósito. Um chamado, sei lá.
Essa questão me pega muito. Eu sou apaixonada por uma porção de coisas na vida, mas não me imagino escrevendo apenas sobre elas, semana após semana. Eu gosto de rock progressivo, mas não quero nem imaginar o que seria ficar caçando pauta para falar só de rock progressivo por um ano inteiro, por exemplo. Mas conseguiria escrever um ou dois ensaios sobre o assunto. Por isso essa newsletter varia tanto nos formatos e tópicos. Mas varia mesmo? Tem certeza?
No fundo, eu tenho uma ponta de inveja de quem consegue transformar uma obsessão em algo útil ou interessante para outras pessoas. Foi por isso que, quando eu tirei o Cadu Carvalho no amigo secreto organizado pelos autores de newsletters em um grupo de Telegram (quem quiser convite pro grupo, me avise), eu já sabia do que ia falar. O presente do amigo secreto consiste em escrever um texto sobre a newsletter da pessoa. O Cadu escreve uma newsletter sobre tipografia.
Só sobre tipografia.
Desde 2019.
2) presença online & tipografia
Tipografia é o desenho das letras impressas (em forma digital ou física). A fonte tipográfica escolhida para esse texto, por exemplo, é do tipo monoespaçada — originalmente usada para escrever código. Não foi à toa que eu escolhi exatamente essa fonte para publicar: meu objetivo é lembrar que, por trás do texto aqui no espaço digital, existe uma estrutura técnica complexa que permite que a leitura aconteça. Além disso, essa fonte é uma forma de conectar duas das minhas obsessões da vida: tecnologia e literatura. Eu não preciso falar sobre isso explicitamente e você não precisa captar essa ideia de modo consciente. Mas para mim é importante que você lembre que os textos enviados com essa letra que parece código de computador é uma carcaterística da newsletter Segredos em Órbita. Faz parte da minha identidade visual.
(Ironicamente, eu estou escrevendo no google docs com uma fonte completamente diferente dessa usada para enviar o texto.)
A newsletter do Cadu, Tipo Aquilo, é sobre esses detalhes que passam despercebidos, mas estão cheios de propósito. Toda arte tipográfica conta uma história e eu recomendo que você passeie pela Tipo Aquilo para descobrir algumas dessas histórias.
3) fazer as coisas com intenção
A história por trás da fonte usada nesse texto, a newsletter do Cadu e o papo sobre presença online têm um ponto em comum: a intenção. Se hoje estamos sofrendo com a quantidade absurda de informação — e o fácil acesso a ela —, o que forma um caminho no meio do caos é agir com propósito.
Mas tudo na vida precisa de uma intenção clara?
4) ano velho, ano novo
Eu hoje saio de 2023 com mais intenções do que entrei. Mas foi bom levar o ano com menos intenções do que o normal. Esse foi o primeiro ano da minha vida que eu não tentei emagrecer. Parece bobo, mas essa mudança de paradigma fez um bem danado para autoestima — isso que eu sempre me entendi como uma pessoa bem-resolvida com essa parte da vida. Os únicos objetivos desse ano eram: passar em uma prova cabeluda de linguística na universidade e escrever um livro. Eu fiz os dois e estou bem contente. Poderia ter feito mais? Sim. Mas foi bom entender o que eu gosto de fazer quando eu não tenho nada para fazer. Você já pensou nisso?
E afinal de contas, o que é não ter nada para fazer? Louça e roupa suja sempre tem. :)
Desculpe a cartinha descompassada hoje. Estamos operando com cérebro de férias.
Mas agora vamos falar de coisa séria.
Expediente: alerta de nazismo no Substack
As cobranças mensais dos apoiadores aqui da newsletter estão em pausa até segunda ordem. O motivo é bem prático:
Eu uso a plataforma Substack para enviar esses textos e receber apoio financeiro dos leitores. Nos últimos dias, vários autores gringos apontaram a presença de newsletters com conteúdo nazista dentro da plataforma (não é a primeira vez). O pessoal pediu que essas contas sejam removidas, mas a equipe do Substack negou o pedido e alegou que isso seria censura. Para saber mais sobre o caso, sugiro que você dê uma olhada no texto da Margaret Atwood, em inglês (se isso for problema, joga no tradutor automático do Google):
Assim como a Atwood, eu não concordo com a postura atual da equipe da plataforma. Infelizmente, enviar textos por email custa dinheiro e o Substack é a única ferramenta que me permite fazer isso sem custo para uma base de mais de 4000 assinantes. Se não fosse o Substack, eu desembolsaria pelo menos 50 dólares por mês só para poder mandar esses textos para vocês. A grana que eu tiro com os apoios está longe de bancar esse custo — sem contar que os apoios são feitos por intermédio do próprio Substack, que fica com uma porcentagem dos pagamentos. O único jeito de fazer o Substack lucrar é através desses pagamentos, por isso estou pausando tudo por enquanto.
As edições gratuitas vão seguir sendo publicadas aqui normalmente.
No momento, estou buscando alternativas fora do Substack para receber os apoios em 2024. Inclusive, devo oferecer coisas novas para quem apoiar no próximo ano (e para quem já vem apoiando desde 2022). Aguardem novidades no final de fevereiro. 🙂
Satélite de recomendações
Por hoje é só.
Feliz virada para todo mundo! Que 2024 seja cheio de intenções e não-intenções :)
Beijos, abraços e toda forma de afeto.
Vanessa Guedes.
🔭
Esse item 1 me pega muito! Eu sou uma colcha de retalhos e isso torna complexo transformar a Espiral num business (na minha visão). Adorei sua reflexão. :) beijos e boas festas 😘
olhe, esse lance do substack tirou minhas alegrias que tavam rolando por conta da plataforma, posso estar sendo pessimista, mas não vejo uma solução que não seja abraçar algo open source e de comunidade. Qualquer coisa sujeita ao capitalismo vai procurar o lucro. Me sinto perdido, sem saber pra que lado correr