Ok, eu vou começar tudo de novo.
Era um quadro do Monet. O ar no meio do jardim era preenchido de um mistério. No momento que bati os olhos na imagem, eles se molharam. Vi um lago e umas plantas, uma tonalidade púrpura fantasmagórica, a tinta dura sobre a tela estava simultaneamente viva e morta. Vibrava e ondulava. Chorei parada no meio da sala mais alta do museu e a mulher que fazia a segurança da sala murmurou c’est pas problème, c’est normal. É normal.
É normal?
Eu não entendia das obras do Monet o suficiente para saber exatamente o que estava acontecendo entre nós. Àquela altura da vida eu já sabia da diferença entre ver uma pintura a óleo ao vivo e ver sua imagem na internet ou num livro, o impacto realmente é outro, mas nunca tinha me acontecido de emocionar-me com uma obra daquele jeito. Eu nem era, assim, uma fã do Monet. No fim da vida, ele teve catarata. O pensamento brotou ao notar a suspensão leitosa das tintas. Olhos que viam fantasmas de cores, daquele jeito que o pessoal do cinema muda a tonalidade das cenas nos filmes para representar imagens de um sonho.
Eu tenho enxergado o mundo um pouco assim, como Monet e sua catarata. Os anos passam, eu entendo melhor a catarata da mente e como ela passa para a interpretação, como ela dá um tom diferente para como vejo o mundo, como um filtro de instagram só meu, que ninguém mais enxerga. E então eu torço o significado, de repente a catarata jorra com força suas águas lá para baixo, formando um lago espelhado para revelar o mundo de outro ângulo, no pé da montanha. De dentro de mim para fora, para o universo.
Então eu choro. Não é sempre um sofrimento, às vezes é só emoção.
Nos últimos tempos, tenho enviado mensagens cada vez mais simples. Eu percebo que os detalhes, informações e números perdem-se da vista de quem lê, pois hoje quase nunca se lê na integridade. Ou não se compreende na integridade. Insisto, então, em escrever mais, contextualizar mais. O efeito é pior, pois a mensagem fica maior do que antes e meus interlocutores prestam menos atenção. Demorei um tempo para perceber porque ficar no TikTok e no Instagram por mais de quinze minutos me dá dor de cabeça. É porque todo mundo grita, todo mundo joga uma coisa completamente nova na minha cara, todo mundo quer reter meu olhar. E se todo mundo quer isso, vão usar cada vez mais e mais recursos para chegar lá. A humanidade inteira está competindo pela atenção de todos.
Não serei mais uma pessoa a listar o benefícios que períodos offline fazem para cabeça, pois há muito tempo entendi que não adianta nada ter uma mente serena quando o mundo a sua volta está completamente agitado. Há de se render ao ritmo do mundo para estar no mundo. Mas de vez em quando olhe
os espaços.
Há muito tempo que a arte é vista como um favor. Ao artista, ao mundo. Quando estou rolando a tela do celular e de repente paro para observar com mais atenção alguma obra de arte, clico no botão de coração, curtir, viro um número e sinto uma espécie de azia emocional. A pessoa fez aquela coisa fantástica e tudo que eu posso fazer, do lado de cá, é reagir com um like. Então relembro a máxima que eu mesma escrevi um dia, o like virou a moeda da emoção. Como escritora de internet, posso confessar sem vergonha nenhuma, que hoje o artista precisa, sim, ser curtido. Os números de likes e views registram uma espécie de aprovação coletiva. Então, eu continuo clicando em “curtir” sempre.
Mas a azia permanece.
Escrever é sentir com muita calma.
Chorar é sentir com muita intensidade.
🗒️ Expediente
Em março esta newsletter volta com o editorial novo, plano de assinantes e recompensas novas! A coluna mensal Expedições Criativas vai continuar, não se preocupem - quem já apoia não vai precisar fazer nada. Acabou o carnaval, logo, o ano começou. Os planos de apoio novos vão vir em plataformas de assinatura brasileiras, eu estou na fase de fazer as configurações e ajeitar a casinha para vocês.
Daqui quinze dias a gente se fala de novo. Enquanto isso, dá para mandar perguntas para eu responder por aqui:
📡 Satélite de recomendações
Essas duas newsletters me emocionaram de jeitos diferentes esses dias… e as duas me deixaram um pouco chorosa.
Por hoje é só.
Beijos, abraços e toda forma de afeto.
Vanessa Guedes.
🔭
tenho me dedicado à quixotesca missão de desacelerar um pouco, deixar mais brechas para o ócio e até para o tédio. deletei as redes sociais e, por enquanto, não tenho sentido que estou perdendo muita coisa, já que os algoritmos vinham me entregando o que eles achavam que eu queria ver, e não o que eu queria de fato (as publicações dos meus amigos). tem sido bom exercitar esse olhar mais calmo, menos imediatista, dá para perceber melhor os detalhes que antes passavam batidos. concordo com a impressão de que os likes viraram moeda de troca, mas, no fundo, fico com a sensação de que valem muito pouco para quem recebe. na newsletter, por exemplo, me sinto muito mais recompensado por quem dedicou parte do seu tempo para comentar o texto, principalmente os que vão além do “concordo” ou “gostei”. e tenho cumprido o compromisso que fiz comigo mesmo de me dedicar também a ler os outros com profundidade: leio, reflito e comento. a era da emoção precisa deixar de ser tão superficial.
Nunca vou esquecer a primeira vez que vi ao vivo um quadro específico do Monet que eu havia estudado no mestrado. Ao entrar no museu e me deparar com o quadro, que eu sequer sabia que estaria ali, congelei e as lágrimas começaram a escorrer. Minha mãe não entendeu nada, daí a Carol se aproximou e explicou. Ela entendeu tudo na hora. A emoção de ver um quadro ao vivo é algo muito único e difícil de explicar. Adorei você ter trazido isso para a news. Lembrei desse meu primeiro encontro com carinho! (E também fiquei bastante choroso com a news da Aline essa semana)...