Curtas respostas sobre meditação e poesia
Respondendo leitores #2, a coluna de perguntas e respostas
Eu tenho um formulário aberto onde leitores podem enviar perguntas (anônimas ou não). O texto de hoje é uma coleção de respostas a algumas das perguntas enviadas nos últimos 4 meses.
A primeira vez que respondi, escolhi apenas 1 questão, porque ela dava muito pano para manga. O texto de resposta rendeu uma das edições mais lidas dessa newsletter. Hoje, venho com uma lista de explicações e histórias, umas mais extensas e outras bem curtas. Espero que elas saciem a curiosidade de vocês.
Respondendo leitores
Como foi a prática meditativa? como começou? como estudou? estou querendo iniciar, mas me sinto perdida
Inúmeras pessoas fizeram variações dessa pergunta. Bem… Eu não lembro exatamente o que eu queria da vida quando fui atrás disso. Eu tentei praticar meditação pela primeira vez em 2014, quando ainda morava no Brasil. Foi do jeito mais tosco possível: entrei no youtube e digitei “como meditar” no campo de busca. Testei umas duas meditações diferentes, daquele tipo guiada, e achei um saco. Testei com com ruído branco; um saco. Meditei em silêncio; um saco. Era impossível. Naquela situação, me vi obrigada a engolir o preconceito contra “pessoas namastê” e dei play no vídeo de uma garota branca de dreadlocks. A moça ensinava a tampar uma narina de cada vez, usando apenas um lado do nariz a cada uma ou duas respiradas. Enquanto você inspirava, ela dizia para imaginar uma luz branca entrando, quando você expirava, ela dizia para visualizar uma fumaça cinza saindo pela narina. Eu acompanhei esse exercício simples por impressionantes quinze minutos — até então, eu não tinha conseguido fazer nenhuma prática meditativa por mais de 3 minutos. Então comecei a chorar compulsivamente, daqueles choros bem violentos. Não havia motivo para tal reação, mas me senti extremamente vulnerável e triste. E vazia, muito vazia. Nunca tinha sentido isso antes e morri de medo. Sem entender porque eu estava chorando como um bebê, desisti. Fiquei impressionada com a experiência, mas não quis saber mais.
Só fui tentar meditar de novo em 2019, como forma de me desligar do estresse. Eu estava em um processo sério de burnout, mas não sabia ainda. Nessa segunda tentativa, eu fui menos preguiçosa. Escolhi um daqueles aplicativos que vão aumentando o tempo de meditação e mandei ver. Era a famosa mindfullness, talvez a técnica mais popular para quem está começando. Hoje eu tenho muitas críticas a forma como o mindfullness é introduzido na vida das pessoas, mas não posso negar que foi uma boa porta de entrada para mim. Eu costumo dizer que a meditação acelerou meu processo de burnout, não porque ela faça mal, mas porque… bem, ela faz mal sim, de certa forma. É muito difícil explicar o processo meditativo porque ele muda muito de pessoa para pessoa e existem mil formas diferentes de meditar. Mas o mindfulness “empresarial-ocidental”, como eu chamo essa técnica oferecida pelos aplicativos mais conhecidos, é vazio de questionamento. Seu propósito está em nos treinar em relaxamento, quando a meditação é um processo interminável de mergulho na escuridão da falta de sentido da vida.
Depois de meio ano com o aplicativo, eu comecei a ler sobre meditação em um contexto absurdamente esotérico e místico. Explico. Eu passei a experimentar com técnicas de vipassana, outra famosa, que consiste em ficar imóvel por longos períodos. De início eu não conseguia, depois descobri que eu precisava de um “aquecimento” antes de fechar os olhos e ficar parada por uma hora; o aquecimento consistia em me concentrar de olhos abertos em um objeto qualquer na minha frente. Depois eu descobriria que esse aquecimento é só mais uma técnica de meditação, entre tantas outras que eu experimentaria. Repetição de palavras, mantra, reza (vocês sabem que rezar o terço é uma forma de meditação, né?), caminhada em silêncio, foco em um zumbido, foco em um objeto, foco na respiração apenas… Existem técnicas de respiração que fazem a mente entrar em transe. Inclusive, dá para ficar chapado, como se tivesse usado drogas, só com meditação. Requer um tanto de paciência, mas dá. Eu já tive experiências alucinógenas, já vi coisas que não existem no mundo “real”, já escutei o nome do bebê de uma amiga que ela não tinha contado para ninguém ainda, entre outras coisas totalmente malucas. Eu nunca adotei uma única verdade para explicar esses fenômenos, eu apenas aceito que eles aconteceram e fazem parte do processo meditativo. Isso não quer dizer que eu não tenha ido atrás de possíveis explicações, tanto científicas quanto esotéricas. Inclusive, acho que meu maior prazer é aceitar todas as possíveis verdades, pois isso também é não aceitar nenhuma, ou talvez apenas uma: que tudo na vida é narrativa. Jo no creo en las brujas, pero que las hay, las hay.
Tudo isso é só para dizer que: eu sei que vou morrer sem ter terminado a jornada pela meditação, por isso é estranho que me perguntem sobre ela como se eu soubesse algo a respeito. Sei de fragmentos. Eu estou apenas experimentando. Vivendo. Meditando. Não sei recomendar nada sobre como começar, qual livro ler, no que acreditar. A única coisa que posso dizer é: experimente tudo que puder. E não pense que tudo está perdido porque você tentou duas ou três vezes uma única forma. Meditar é como cinema: nem todo mundo gosta das comédias clássicas do Adam Sandler, mas muita gente gosta das comédias clássicas do Adam Sandler. Imagina se você fosse introduzida ao cinema apenas com os filmes dele. Imagina que absurdo seria achar que não existe mais nenhum tipo de filme além desses. :)
Vanessa, querida... qual conselho vc daria a alguém que vive em uma cidade da qual não gosta, enquanto não pode verdadeiramente sair dali?
Eu diria que o ser humano inventou muitos jeitos de escapar da realidade quando ela é dolorida demais. Livros, cinema e… internet. Eu faço amigos online o tempo todo e foi por causa disso que eu comecei a viajar para caramba quando ainda era bem nova. Eu acho que nunca morei em uma cidade que eu não gostava. Mesmo que eu tenha descoberto que não gostava de morar em Porto Alegre, isso aconteceu depois que eu me mudei de lá. Eu costumo dizer que demorou dez anos para eu voltar a gostar da minha cidade, mas a verdade é que estar lá por curtos períodos me faz amá-la assim como é fácil amar as pessoas que a gente conhece superficialmente. Ou assim como é fácil amar uma cidade que conhecemos em uma viagem de turismo. Por isso é tão importante para mim receber visita de amigos na cidade onde moro, porque assim tenho a chance de enxergar tudo com os olhos frescos de quem não conhece nada a fundo. Você já percebeu como muitos relacionamentos acabam quando as pessoas passam a conviver sob o mesmo teto? Nada é tão difícil como amar o que conhecemos bem demais. Inclusive nós mesmos. O que eu diria para alguém que vive em uma cidade da qual não gosta? Receba visitas.
Sou uma leitora ávida desde criança e estou pensando em fazer Letras como segunda graduação. Faz sentido? Algum conselho?
Eu estou fazendo isso! Quer dizer, eu nunca terminei minha primeira graduação e sou formada em curso técnico, não tenho diploma universitaŕio. Mas agora, depois dos 30, estou estudando na Europa o que seria a graduação “de humanas”, com especialização em literatura. Eu estou gostando muito e não sei bem o que dizer… Talvez replicar o melhor conselho que eu mesma recebi quando decidi fazer essa loucura. Foi minha amiga Ana Rüsche que recomendou: tirar sonecas entre as sessões de leitura. Esse tipo de curso exige muito tempo de leitura e é fácil ficar mentalmente cansada com tanta coisa para ler, digerir e depois escrever a respeito. A dica da soneca parece meio nada a ver, mas confesso que é a coisa que mais me ajuda a manter a mente afiada nas maratonas de leitura. Um cochilo de 10 min a cada 200-300 páginas opera milagres aqui.
você costuma ler poesia? tem algum(a) poeta ou poema favorito? qual?
Sim e sim. Mas não tenho um único poeta favorito. Eu tenho lido muita coisa em inglês porque é meu objeto de estudo (dos vivos, minhas obsessões do momento são Ocean Vuong e Lemn Sissay), mas dos brasileiros mais clássicos e mortos, eu gosto muito de Hilda Hist e Augusto dos Anjos. Meu gosto é bem variado. Dos brasileiros vivos, eu gosto de MUITA gente, desde Adélia Prado a poetas bem desconhecidos, mas me sinto meio injusta se tentar citar muitos nomes. Por ora, vou deixar aqui um poeminha do Dirceu Villa, o poeta sem link.
LACRE & TIMBRE
(de Dirceu Villa)
Enfim perfeitos,
Lacre e timbre
Eu ajeito.
Por sobre rios e montanhas
Bosques velhos e planícies
Eu autorizo que viagem
Vejam gente, encontrem olhos, sejam lidos.
Façam qualquer coisa que reprima o tédio
Mas evitem os idiotas que malqueiram versos.
E além dos prédios e fronteiras
Boas conversas ou asneiras
Imponham-se,
Que o mundo hoje é só de ecos.
Daqui duas semanas, volto com os ensaios reflexivos de sempre.
📡 Satélite de recomendações
Se você tiver uma pergunta, manda aí:
Por hoje é só.
Beijos, abraços e toda forma de afeto.
Vanessa Guedes.
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adoro a poesia de augusto dos anjos! mas sei que ela não é para todo mundo...
Achei esse texto muito generoso. Sabe quando a gente lê um texto do Neil Gaiman e sente um abraço? Aquela coisa de elucidar a complexidade das escolhas, com serenidade, mesmo sabendo que a vida é uma sopa de mistério e caos.