Recadinho! Nesse sábado, dia 11, eu vou fazer uma videochamada com os apoiadores da Segredos em Órbita às 10h da manhã (horário de Brasília). A prosposta é fazer a organização pessoal do próximo ano ao vivo, junto com vocês. Para quem tem interesse em acompanhar o Planejamento Criativo de 2024, eu vou mandar as informações de acesso a chamada amanhã por email para quem assina a versão paga da newsletter. Bônus extra: durante esse chamada, eu vou mostrar como escrevo e organizo os textos por aqui.
Bom, recado enviado. Vamos a edição de hoje.
Dando sequência a série Novas Órbitas, uma amostra de textos de outros autores, hoje eu trago “E se eu for uma farsa?”, da Virginia Valbuza, jornalista mineira erradicada em São Paulo. A Virginia escreve crônicas na Pastel de Feira há pelo menos um ano. Nessa pequena crônica, ela fala de uma questão presente na vida da maioria dos adultos do século 21.
Então, segura na mão da Virginia e vai.
E se eu for uma farsa?
Por Virginia Valbuza (originalmente publicado aqui)
Isso é síndrome de impostora ou estou apenas caindo na real?
Juro que eu não queria ser esse tipo de pessoa, mas é mais forte do que eu.
Tento me lembrar que cada um tem um tempo e que cada processo é único. Tento calar as malditas vozes da cabeça e apenas me sentir feliz por ver tanta gente realizando seus sonhos.
Mas não dá. Ainda que eu me alegre com tanta coisa boa sendo produzida, ver a trajetória de alguns artistas atiça uma voz interna que faz questão de me dizer que eu sou um fracasso.
Por mais que eu sinta orgulho da pessoa que alcançou milhares de leitores em sua newsletter, essa voz vem me lembrar de que eu tenho um tempo parecido de projeto e acabo de alcançar 50 inscritos. Ainda que eu adore ver tanta gente produzindo e sendo remunerada por sua arte, essa maldita vem no pé do ouvido e me fala que eu jamais conseguirei fazer algo do tipo.
E mesmo que eu tente ignorar seus sussurros e não ouvir suas críticas, é impossível. No fim, mesmo com muito esforço, ela sempre me vence e me convence de que eu não sou o suficiente.
Que minha arte não é boa. Que minha escrita é medíocre. Que não tenho muitos leitores porque não faço nada que mereça ser lido.
Não importa qual o modelo de crítica que ela escolha seguir, essa voz sempre é eficiente em me botar para baixo e me fazer acreditar que, no fundo, eu jamais serei uma artista de verdade.
E confesso que, ultimamente, tenho pensado se ela não tem razão.
Será que eu não estou me iludindo com essa história de processo criativo? Será que não é besteira da minha parte achar que eu posso viver fazendo arte? Será que não é prepotência minha achar que o que eu faço é arte, pra começo de conversa?
Será que meu sonho de ser escritora é, na verdade, uma grande farsa?
Reassisti ao documentário “Saída pela loja de presentes” em um momento um tanto emblemático.
Pensado primeiramente como um filme sobre arte de rua, essa obra não só traz todo o questionamento sobre como a arte se torna uma mercadoria, mas também vira uma reflexão sobre como o mesmo acontece com os artistas.
A figura principal da história é Thierry Guetta, um aficionado por cinema que filma artistas de rua em diversos cantos do mundo. Ele tem a sorte de conhecer e acompanhar o trabalho de Banksy, um dos artistas mais misteriosos do ramo, e consegue takes incríveis dele em ação. É uma coisa de louco.
No entanto, o que chama mesmo a atenção é o fim disso tudo. Porque, quando Banksy sugere que o cinegrafista experimente um pouco da arte de rua, algo inesperado acontece: Thierry cria uma persona, chamada Mr. Brainwash, e se torna um dos artistas mais populares do meio.
Mas sabe como isso acontece? Sabe o que o documentário nos mostra sobre a trajetória do Mr. Brainwash?
É que isso não é sobre arte. Isso é sobre capitalismo.
Thierry tem ideias para suas obras e contrata pessoas que as façam para ele. De repente ele decide fazer uma exposição para mostrar o seu trabalho, e pede aos seus contatos, como Banksy, para divulgarem o evento ou comentarem algo a respeito. E é aí que está o negócio.
Quando Thierry divulga sua exposição com as palavras do Banksy, isso chama a atenção do mercado. Ele é tão bom em seu marketing pessoal que até a LA Weekly faz uma entrevista e divulga sua exposição, sem nem conhecê-lo. E a especulação se torna tão grande que, antes mesmo da estreia, já existem colecionadores de arte comprando suas telas por alguns milhares de dólares.
Mr. Brainwash não sabe explicar a intenção por trás de suas obras. Entre réplicas e mais réplicas de elementos da cultura pop com alguma coisa que lembra grafite e arte de rua, ele se tornou sensação sem nem ter desenhado as próprias peças.
E sabe o que é mais maluco em tudo isso? É que bastou um artista renomado dizer que aquilo era bom para que, sem nem conhecer ou se interessar pelo assunto, milhares de pessoas fossem à exposição e gastassem dinheiro para ter um famoso quadro do Mr. Brainwash.
Elas não estavam interessadas na arte. Elas também não sabiam dizer o que aquelas peças representavam ou as fazia sentir, assim como o próprio artista. Mas elas sabiam de uma coisa: que ele era famoso.
E isso já bastava.
Comentei com meu companheiro ao final o quanto era frustrante ver esse panorama. Não que eu tenha interesse em questionar qualidade ou validade das obras de Mr. Brainwash, mas um ponto fica muito forte quando os créditos começam a rolar: as pessoas não querem mesmo saber de artistas. Elas querem é celebridades.
O glamour. O mistério. O status. Crescemos com a promessa de que o estrelato é o caminho para uma vida mais significativa e, na esperança de sentirmos uma mísera migalha disso, consumimos a vida de celebridades como um produto na prateleira. Sedentos por um pouco de realização, tentamos fagocitar artistas e pegar pra gente essa sensação - mesmo sabendo que não é assim que a banda toca.
As pessoas que passeavam pela exposição do Mr. Brainwash, mais do que preocupadas em se nutrir de arte, queriam mesmo é um pedacinho dessa fama repentina que toda a história representava. Ávidas por um mínimo de sentido e emoção em suas vidas, elas faziam o possível para realizar a promessa fajuta de que esse é único caminho para a felicidade.
Mas não para por aí. Porque, com as redes sociais, essa lógica de vida de famoso se espalha e é reproduzida até a exaustão. Chegamos ao ponto em que, se quiser tentar viver enquanto artista, você vai ter que virar influencer e dançar conforme a música (às vezes literalmente).
Afinal, o que importa não é produzir arte. É produzir conteúdo.
Como aponta Aline Valek em “A escritora que querem comer viva”,
“Aí reside minha principal frustração com essa nova forma de habitar a internet: ser bem-sucedida como escritora (ou professora de yoga, ou artista, ou empreendedora, ou cozinheira) significa se tornar uma celebridade, assumir o fato de que as pessoas não querem consumir apenas o que você faz, mas querem consumir você.”
Sabe o que isso tudo me faz perceber? É que, para o mercado, pouco importa o que você produz. É quem você pode ser que realmente interessa, e principalmente o quão lucrativo você promete ser.
E aí é que tá: num sistema em que a arte só parece ter valor conforme a fama de seu criador, a minha maldita voz interna não está lá tão errada. Se eu só posso ser considerada uma boa artista se eu também me tornar uma celebridade, eu estou mesmo fadada ao fracasso.
Vez ou outra esse panorama sobre celebridades e oportunidades me pega de jeito e, inevitavelmente, me vejo em crise com a minha trajetória. Parece que nada do que faço vai ser suficiente um dia e, nesse loop de frustração e desânimo, costumo me perguntar: de que adianta?
Por que escrever? Por que bater cabeça tentando criar uma carreira com algo que não me cabe? E por que manter um sonho tão besta quanto ser escritora?
Nem sempre é fácil sair desse modo. Mas, quando o trem fica feio e eu preciso de uma palavra amiga, eu faço o improvável e busco justamente em minha arte um pouco de conforto.
Retorno aos meus textos e leio uma produção aqui ou ali, como se fosse a primeira vez. Me permito ser uma estranha para minhas próprias palavras e deixo que elas me guiem nesse processo, sem saber o que esperar no final.
E sabe o que tenho reparado nesses momentos? Sabe qual a minha grande surpresa?
É que, na real, eu gosto muito do que produzo.
Mais do que isso: essas palavras me fazem lembrar do quanto eu me divirto com todo o meu processo criativo e do quanto eu me empolgo ao ver um texto tomando forma. Eu realmente gosto de escrever.
Percebo que, no fim, não é a possibilidade de uma carreira que me faz passar por isso. Não é o mercado quem me faz produzir. E, felizmente, vejo que isso nunca foi sobre uma vida de celebridade ou qualquer coisa do tipo.
Isso sempre foi sobre pessoas.
Sobre me conectar. Sobre me expressar e encontrar meus pares. Sobre criar um mundo novo. E, principalmente, sobre pertencimento.
Talvez eu esteja longe de ser uma promessa de escritora bem-sucedida. Talvez eu jamais consiga fazer da escrita o meu trabalho principal. E talvez, no fundo, minha arte não tenha valor o suficiente para este mercado.
Mas, hey, quem disse que ela precisa ter valor de mercado?
Enquanto esse processo fizer sentido para mim, é o que me basta. Enquanto a escrita me permitir expressar e plantar sementes por aí, eu continuarei com ela. Apesar das frustrações e do desânimo, eu ainda vejo motivos para continuar escrevendo. E é só disso que preciso.
No fundo, meu sonho de ser escritora pode mesmo ser uma ilusão. Mas tudo bem. Viver uma ficção, pelo menos, pode ser um bom jeito de aprender como escrever uma.
Fim do texto da Virginia.
Expediente
Espero que vocês tenham curtido. A série Novas Órbitas vai rolar até dia 7 de dezembro e até lá vocês vão conhecer o trabalho de mais outras três pessoas. Depois, voltamos a programação normal de textos por aqui.
Rapidinha
Essa semana eu participei do episódio “O fim da era das fadas sensatas”, do podcast Donas da P**** Toda, que foi inspirado em um texto que escrevi há poucas semanas. Assinem a newsletter do Donas para ficar por dentro desse projeto incrível da Larissa Guerra e da Marina Meltz.
Por hoje é só.
Beijos, abraços e toda forma de afeto.
Vanessa Guedes.
Virgínia, um abraço em você. E que a pulsão pela escrita seja sempre maior que todo esse auê capitalista por personas efusivas.
Virginia acompanho desde o Medium e que bom que ela está aqui nesse espaço :)