Há quase um ano, o Vladimir Brichta deu uma entrevista para a revista Trip falando sobre sua ausência nas redes sociais, dizendo que para ele e a esposa, Adriana Esteves, a privacidade se tornou uma espécie de fronteira. Ambos são atores de novelas da Globo com anos de experiência, há décadas seus rostos estampam jornais e revistas pelo país. Na mesma época, também li uma entrevista do músico Thiago Pethit para a newsletter Paulicéia, onde ele fala que nós nos vendemos o tempo todo nas redes sociais, em um contrato silencioso com a narrativa de sucesso. Me peguei entrando num cliché falido das pessoas da minha idade e pensei que queria ter nascido 20 anos antes, queria ser mais Adriana Esteves das ideias. Eu não sou atriz como ela, minha arte é a escrita. Mas, verdade seja dita, se eu tivesse trinta anos na época que a Adriana tinha essa idade (nos anos 90), eu nunca teria as oportunidades de publicar meus textos como estou publicando agora, aqui nesse espaço. Para ser lida por mais de 2500 pessoas toda semana, eu precisaria ser colunista de jornal ou revista; e para chegar lá, precisaria ter contatos e uma carreira em jornalismo que eu dificilmente teria, vindo do lugar de onde eu venho. Parece bobo lembrar disso, mas a Adriana e o Vladimir só conseguem se manter ativos nas suas carreiras (ou seja, sendo contratados para fazer novas novelas e filmes), apesar de ausentes das redes sociais, porque estabeleceram uma imagem de celebridade muito antes do mundo dos likes existir.
A nós, que viemos depois, resta a competição por quem grita mais alto nas telas de celular de milhares de desconhecidos online.
Eu mesma não sei como me colocar nesse papel de vender o meu conteúdo todos os dias e em tantos lugares. Uns tempos atrás fiz um curso sobre “construir uma marca pessoal no instagram” e não tenho vergonha nenhuma disso. O curso foi útil. Segui umas lições à risca por uns dias e rolou bem, mas além do trabalho exaustivo, é necessário um desprendimento que não é para qualquer um. Contas de instagram bombam por diversos fatores aleatórios, mas existem receitas prontas que funcionam sim, geralmente são elementos de comunicação que usam uma espécie de linguagem própria. E para entrar na linguagem da rede, ou você usa um megafone em formato de imagens com texto que parecem estar gritando na cara das pessoas ou você usa a própria imagem (em vídeo) para sentar lá e conversar com seus seguidores — como se você fosse uma pessoa que tem afinidade com a câmera. Eu consigo desempenhar esse segundo papel quando encarno minha persona bobona, que não se leva a sério. Porém, o cerne da questão é que eu só queria ser boba de vez em quando, não todos os dias; eu queria dividir uma coisa com meus seguidores uma vez ou outra no mês, não todos os dias. Mas assim as pessoas esquecem de mim e a chave do uso da rede social é exatamente fazer os outros lembrarem que você existe. Nem que para isso você precise pegar nesse megafone de pixels para gritar na praça qualquer comentário sobre o livro que você está lendo ou qual marca de café você mais gosta.
Se eu não aparecer, as pessoas esquecem de mim. É essa a sensação que o mundo me passa. Contemplo essa afirmação com estranheza, talvez até com certa negação, embora saiba que tem um grande fundo de verdade. Como uma brasileira que mora fora do Brasil, essa questão também tem camadas mais profundas para mim. A internet é meu meio de comunicação com meu país, com meu povo. A persona da escritora se confunde com a pessoa do íntimo, mas como disse a sábia Beatriz Guarezi no twitter “Instagram quer ser entretenimento, então não é mais álbum de memórias”. Vivemos uma crise afetiva nas redes sociais, onde tudo o que funciona bem, em termos de “criar comunidade”, acaba engolido pela popularidade do entretenimento. Se antes a internet era uma mistura de enciclopédia com correspondência de cartas (um lugar para buscar conhecimento e se comunicar), hoje ela também serve de televisão, rádio e jornal. As coisas se confundem, se mesclam, assim como a vida de quem depende da popularidade para vender sua arte.
Talvez eu queira ser esquecida em certa medida. Talvez eu queira me comunicar apenas por esses emails, por esses textos longos. Meu lado voyeur se ressente disso, aquela parte de mim que deseja acompanhar o que os outros tem para exibir ou contar sobre si mesmos. Acho que esse encanto da narrativa da vida real — que não é exatamente real, pois as pessoas fazem curadoria de si mesmas o tempo todo — é algo que funcionava bem nos primórdios, quando a internet ainda era mato. Mas também era um mato bem elitista, de acesso escasso, longe das massas. Meu desejo de não existir nas redes sociais magoa meu lado voyeur, porque comunicação também é troca, e se todo mundo escolher não se exibir, a vida de quem eu vou espiar?
Bom que o exibicionismo é uma escolha para maioria das pessoas. Pena que não para o artista.
Como você, que me lê agora, se sente a respeito disso?
Satélite de recomendações
Há umas semanas, o podcast Donas da P* Toda produziu um episódio inspirado no meu texto “Ano que vem, não vou emagrecer”. Foi um prazer ver a discussão se aprofundar nas vozes de mulheres tão interessantes e inteligentes. Se eu fosse voceŝ, eu ouviria tambeḿ:
Por hoje é só.
Beijos, abraços e toda forma de afeto.
Vanessa Guedes.
gosto do IG quando uso como usava há dez anos: para repartir/ver fotos/videos de coisas legais. agora, já tem um tempo que notei que deixar de postar uma edição ali não altera em nada a quantidade de leituras/assinantes. e meu foco é a escrita. taaaaaalvez se eu fizesse um esforço de publicar várias vezes, impulsionar midia, criar videos bem editados o resultado fosse outro. mas o dia só tem 24h e eu preciso comer/dormir/namorar. então sigo escolhendo colocar meu esforço em outros lugares (tipo aqui).
Tenho sentimentos muito ambíguos sobre essa obrigação que os artistas tem de se promover em redes sociais.
Recentemente fiz uma tatuagem com uma artista porque eu vi varias artes lindas que ela fez sendo postadas no instagram. Durante a minha sessão, ela comentou como ela odiava essa parte do trabalho. "Sou uma tatuadora. Quero fazer tatuagens. Eu não quero ser gerente de redes sociais. Me sinto envergonhada sempre que eu preciso parar uma sessão para gravar um video ou tirar foto".
Eu nunca teria feito a tatuagem com ela se ela não tivesse postado. Ao mesmo tempo é uma frente de trabalho que exige um conjunto de habilidades e interesses completamente diferente do ponto principal da profissão dela.